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Vetores da Inutilidade

Poesia, Atualidade, Crítica, Opinião, Artes e Cultura. Um blog por João M. Pereirinha

Vetores da Inutilidade

Poesia, Atualidade, Crítica, Opinião, Artes e Cultura. Um blog por João M. Pereirinha

Também foi comigo

 

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“Os homens são tão estúpidos que uma violência repetida acaba por lhes parecer um direito”
- Claude-Adrien Helvétius, Proverbes, maximes et pensées (1765).
 

“E se Fosse Consigo”, ‪#‎Esefosseconsigo , pergunta o programa da SIC, esta semana sobre bullying: bom, eu fui o "orelhas de abanico", depois de ter sido o "João, cagalhão", o "João cara de balão", o "João maricão", e muitos outros adjectivos lindos acabados em "ão"; até ter levado algumas açoitadas em grupo com verdascas; isto ainda antes de ter sido o "gengivite", que veio a ser substituído pelo "zé mijei"; que durou até ser o "padreco"; e mais tarde o "maricas poeta" e "sensível" (como se isso fosse ofensa); e só estancou um pouco quando a popularidade, sobretudo ao defender causas comuns - e justas! - quer em textos, ou na rádio, quer na representação dos colegas; mas que rapidamente foi reaberto com uma bruta sova no dia em que fiz 18 anos, depois da qual o dono de uma esplanada, ao me levantar do chão, ainda me ofereceu mais, e cujos pais do agressor se limitaram a dizer "agora aguenta-te"; e que quando recorri à Justiça, não só fiquei marcado como "mariquinhas", e como "interesseiro", como ainda ouvi da Juíza que "a Justiça não tem que perder tempo com este tipo de coisas".

 

Portanto, é mais ou menos isto que se ganha e consegue quando se defende os colegas mais fracos no recreio; ou quando se é desinibido ou não se tem medo de assumir os próprios defeitos, anseios ou falhas; ou até mesmo quando apenas queremos defender algo em que acreditamos; e até quando não nos é dada oportunidade de explanar a nossa versão dos factos, face à força bruta dos argumentos de punho fechado, ou ao coletivismo cobarde.

 

Por isso, quando a próxima criança se suicidar, ou quando um miúdo for levado ao extremo da depressão, ou chegar a casa cheio de marcas, não culpem apenas os agressores. Perguntem-se antes onde é que falhámos enquanto uma sociedade que incentiva constantemente o individualismo, a repulsa da diferença e a superação e ostracização do outro, em benefício da popularidade ou dos interesses individuais.

 

Mas não guardo rancores, nem grandes mágoas. Não tinha vergonha na altura, e podem crer que, por mais que tentassem, nunca me deixei afetar severamente por isso. Não só porque estava bem comigo próprio, assim como sabia que muitas vezes era apenas a consequência de estar a fazer algo de correto. Mas também porque, e graças à primeira professora que tive e que me classificou publicamente de "pastelão" e "lento", sempre soube e tive consciência de uma grande capacidade de abstração e, também, de resiliência. Contudo, o que faz parte de nós, também não se esquece.

 

Infelizmente, a verdade é que há coisas que se transportam depois para a vida, especialmente em meios pequenos. Hoje, ainda há uma pequena parte das pessoas que continuam a comportar-se infantilmente como bullies. Onde tudo é motivo para classificar, ou oprimir, da política ao futebol, e todo o tipo de coisas... Enfim, a fragilidade das sociedades começa nos pilares da Educação.

 

O problema das cicatrizes é que a marca só fica na carne, nunca na lâmina. E há quem tenha reiteradamente praticado esse tipo de atitudes e não reconheça o quão errados estavam; há quem o tenha feito por necessidade de afirmação; e quem simplesmente o faz por lhe dar prazer. Seja como for, uma das maiores causas e bases para este campo minado, é a incapacidade de muita gente explicar às crianças que muito do que é mau, também é errado, e vice-versa. Mas não, ao contrário, o “chico-espertismo” é premiado; o enganar o outro é melhor; e a popularidade normalmente tem mais frutos que o reconhecimento...

 

Muitas vezes a única forma de alguém se defender passa também, efetivamente, por agredir ou responder. Ou então, "aceitar" a "estratificação" do recreio e do ambiente escolar. Mas até nisso sempre fui um "rebelde", e "revoltado", e cedo soube reconhecer que havia mais do que uma força de opressão, além do “sistema”, não institucionalizada, mas que vinha desde a casa dos pais dos meus colegas, que tanta graxa davam aos professores... Por isso, sim, chamem o que quiserem, como ainda hoje, "o extremista radical", ou o "vendido" (quem deram alguém pagar alguma coisa por isto...) e o que mais quiserem. A determinada altura damos graças por nascermos no ceio de uma família que, apesar de tudo, nos blindou a alma e o coração.

 

Talvez seja por isso que sempre amei personagens como o “Peter Parker”, o “Zorro” ou “Bruce Wayne” e, claro, até mesmo Jesus Cristo, de quem fui devoto. Mas principalmente o primeiro, porque, como ele, (à parte da paixão por fotografia) eu próprio sempre soube fazer humor e piadas nos momentos mais inusitados. Falar, com sátira, em tom irónico ou com sarcasmo, sempre me trouxe problemas, assim como não baixar o pescoço. Pode haver quem encontre coragem, ou vitimização neste texto. Mas não, nem uma coisa nem outra. Apenas um desabafo, de quem nunca se aceitou ou soube ser vítima. Porque coragem, ou adrenalina, na verdade, foi tentar dar um murro ou satirizar contra alguém umas duas vezes maior que nós e mais habituado à dor e intolerante ao humor. E ainda mais coragem foi, depois de um pulso aberto, me ter tornado amigo de algumas pessoas que, afinal, não tinham assim tanta 'culpa' do que estavam a fazer... Mas obrigado a todos, pela compreensão e apreço.