Resistir: sempre, cá e lá!
Hoje, 27 de janeiro, Dia Internacional da Lembrança do Holocausto, é um dia perfeito para lembrar que a luta contra o fascismo é um combate intemporal, que deve ser feita diariamente e em todos os cantos do mundo. É um campo de batalha onde devemos resistir, com gestos como a “A Marcha das Mulheres”, no primeiro dia de exercício de Donald Trump, mas também aqui na Europa, povoada de Campos de Refugiados que lembram o Holocausto, e contaminada de fascistas populistas que ganharam terreno nas últimas décadas.
Imagem © SHANNON STAPLETON / REUTERS
Desde o primeiro dia de exercício como Presidente dos EUA, Donald Trump, mostrou e começou a provar que o seu mandato se vai pautar por um teor claramente autoritário e antidemocrático. Algo que, aliás, nunca escondera. De facto, o maior problema dos nacionalistas-populistas é que desprezam totalmente a Democracia e as instituições que a sustentam. Isto porque se consideram a única voz legítima do povo, mediando a relação entre este e a política e até com Deus. Trump, além de dizer isto, desde o primeiro dia que tem ameaçado todos os aliados dos EUA (sobretudo democracias), ao mesmo tempo que elogia a Rússia (uma espécie de democracia formal sob um regime totalitário), fazendo um esforço por descredibilizar tanto o sistema eleitoral como a imprensa, lançando a suspeição sobre uma alegada fraude eleitoral e inventando "factos alternativos" (mentiras) sobre o número de pessoas na sua inauguração. Além de defender a tortura.
Para mim, um dos objetivos da sua administração é a implementação de um estado de sítio permanente, que lhe permita vetar e congelar eleições, agir impunemente contra o Supremo Tribunal, varrer a imprensa e fazer uma purga no Senado. Algo que se revelará, ou não, com a primeira contrariedade institucional. De resto, aquilo que a maioria das pessoas têm atacado, as suas opções económicas, é provável que até tenham um impacto circunstancial e momentâneo positivo, à imagem da estratégia nazi, que impulsionou a economia alemã durante quase uma década. Até porque os “negócios” costumam apreciar a estabilidade (e corrupção) de uma ditadura que esmague os direitos civis mais básicos. Não é apenas um muro com o México que ele quer construir, ele quer construir um muro com a civilização.
Mas não é só na América que devemos lutar contra os muros. Eles andam a ser erguidos por todo o mundo, sobretudo na Europa, há muito tempo. É preciso resistir contra eles, cá e lá, sempre. Veja-se o caso paradigmáticos de Milos Zeman e Andrej Babis, na República Checa, cujo poder ameaça todas as liberdades. Veja-se o caso de Erdogan, na Turquia, que começou por prender os “golpistas”, depois os estudantes, os professores, os funcionários públicos, os deputados da oposição e sem esquecer a imprensa. Assim como no coração da Europa, onde não só a Hungria, mas também a Alemanha, ou até mesmo a Grécia, vedam a liberdade aos refugiados (outrora tratados eufemisticamente como migrantes) através de muros e vedações.
É nesta Europa, fortificada, com soldados armados pelas ruas de Paris, com aeroportos em estado de sítio, que começaram a nascer os fascismos nacionalistas, xenófobos e racistas, quer em movimentos como os de Le Pen, ou do UKIP, como os outros que há muito abandonaram o “socialismo” ou a “democracia”, que carregam nos nomes dos seus emblemas partidários. Como a política de expansionismo económico da Alemanha, sobre o sul da Europa, mais interessada na City of London, do que no facto do Reino Unido ter começado a deportar cidadãos europeus indiscriminadamente, ter vedado o Eurotúnel de Calais em França ou de ameaçar a paz com a Irlanda ao tencionar colocar fronteiras físicas junto à Irlanda do Norte. Aliás, Theresa May é a primeira chefe de estado a visitar Donald Trump. E hoje o Presidente do Parlamento Europeu é ex-acessor de Silvio Berlusconi.
Por isso, não basta cair no modismo recente e recorrente de fazer uma capa alusiva ao romance "1984" de George Orwell, como a edição de hoje do Courrier Internacional, mas não ter uma única página ou artigo sobre o Holocausto. Assim como nenhuma edição ou site de qualquer jornal de referência em Portugal. Pouco importa que toda a gente leia o romance de Orwell, se não compreendermos que era contra esta apatia que ele o escreveu, após décadas de outros textos e crónicas que, desesperadamente, sentiu que ninguém absorvia. É assim, nesse esquecimento, que permitimos que existam os campos de refugiados de hoje com pessoas a morrer ao frio e à fome, soterrados em neve.
Caso contrário, estaremos a cair nas armadilhas daquilo que hoje se intitula como a “pós-verdade”, deixadas por anos de governações desastrosas, com o muro do México que Bill Clinton aumentou, assim como Barack Obama. Ou os repatriamentos, que nos últimos 15 anos atingiram milhões de pessoas, projetando a miséria e os conflitos sociais na América do Sul. Já para não falar das crises no Sahel, nos fascismos-islâmicos da Arábia Saudita, Síria, Iémen, Líbia, Mali e República Centro-Africana, todos eles apoiados, dinamitados ou criados e financiados pelos países ocidentais e pelas administrações recentes. Sem esquecer a “terceira-via” de Tony Blair, que acelerou a financeirização dos estados. Assim como a tecnocracia da União Europeia e do Eurogrupo.
O fascismo está em todo o lado e tem de ser combatido em todas as frentes. Desde o posto de trabalho ou na procura de emprego, contra a lógica colaboracionista da desregulação dos direitos de trabalho. À condescendência ou populismo violento daqueles que atacam os nossos direitos civis e apelam aos sentimentos básicos e animalescos de uma sociedade bárbara e fechada.
A única forma de lutar contra isso é fazer aquilo que os americanos, que toda a gente desprezou no dia após as eleições, estão a fazer desde o primeiro dia da tomada de posse: resistir, resistir, resistir. Cá e lá!