Prefiro a Fantasia ao Carnaval
Adoro a fantasia, mas nunca fui grande fã do Carnaval. Acho que a capacidade de nos reinventarmos através da ficção, da máscara, da sátira e da plasticidade do corpo, como ferramenta artística, é fundamental à nossa condição humana. Assim como os ciclos, os rituais e as tradições culturais. Porém, sempre tive uma certa dificuldade apática em me adentrar nesses pequenos loops de felicidade condicional. Por mim, assim como todas as outras coisas, o Carnaval era quando alguém quisesse. Sem agendas. Até porque, o próprio Carnaval também é uma matrafona daquilo que diz ser. A despedida da carne e a celebração da vida, da aproximação da primavera ou o festejo das colheitas e dos prazeres, é tão ancestral que se ramificou em milhares de festas e rituais diferentes. Mas duvido muito da alegria espampanante e pré-anunciada de circuitos de samba mal dançado, de tratores alegóricos e engenhocas de alma por baixo de poliéster contrafeito. A peruca de alegria que enfiaram no tarro dos dias carnavalescos em Portugal não me convence.
Claro que é inquestionável a diversão que se vive em noites de ramboia, pagodes arrufados noite dentro, cortejos de escola e escolas de cortejo, rua a baixo, salão adentro, toca o comboio, o amigo Charlie e assim se vive uma contrafação daquilo que outrora exportámos. Contudo, nem mesmo aquilo que julgamos ser a paixão foliona brasileira corresponde exatamente à caricatura que nos é descrita. Nas reportagens da alegria forçada não há lugar para a triste realidade do assédio às mulheres, para o espancamento dos gays e depois de um ano a matar travestis, torna-se legítimo que os machos peludos se vistam de mulher durante três dias. Se querem importar a imagem da rainha da bateria, esquecendo os mestre-sala e porta-estandarte, é porque não sabemos ainda como se dança o samba. Porque, tradições “há muitas, seu palerma”.
Tantas, que do “verdadeiro” Carnaval poucos conhecem muito, com milhares de variantes e festejos diversos no mundo e no Brasil. Assim como em Portugal, onde os mascarados raramente desciam a rua para fazer se não mal a quem quer que fosse, aproveitando o anonimato como forma de escárnio, maldizer e crueldade. Contudo, se é para sermos infantis que o sejamos a vida toda, sem necessidade de mentir sobre isso, à imagem da literatura, do teatro ou do cinema, onde qualquer personagem que se prese tem os pés amarrados à verdade de uma boa mentira. Ou querem convencer-me da sensibilidade dessas perucas com esse reboliço em trajes menores?