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Vetores da Inutilidade

Poesia, Atualidade, Crítica, Opinião, Artes e Cultura. Um blog por João M. Pereirinha

Vetores da Inutilidade

Poesia, Atualidade, Crítica, Opinião, Artes e Cultura. Um blog por João M. Pereirinha

Poupar é que é Insustentável!

© João M. Pereirinha

“30 a 50 euros por mês” é o mínimo que uma casa pode gastar em eletricidade, gás ou até água, separadamente. Ora, “30 a 50 euros por mês” é o que custa normalmente um passe de transportes normal e básico, tanto nos centros urbanos como noutros locais. E quando não há transportes eficientes, “30 a 50 euros por mês” é provavelmente menos do que um veículo normal consome só em combustíveis, que sirva não só para ir para o emprego e voltar, como para ir levar os filhos (quem ainda os tem) à escola ou infantários, para ir às compras ou, porque não, para ir a qualquer atividade de lazer – porque, como o lazer ainda não é um direito em Portugal, ele normalmente decorre a horas usualmente incompatíveis com transportes e demais acessibilidades.

 

Também, “30 a 50 euros por mês” é o mínimo que se gasta em comunicações, sem as quais ninguém consegue ou mantém um emprego. Sem esquecer, e “30 a 50 euros” é o mínimo que um agregado gastará só em alimentação, por semana.

 

Para quem vive do ordenado mínimo, depois de abatidos os impostos, “taxas e taxinhas”, e demais encargos obrigatórios, nem “30 a 50 euros por mês” sobram, e a maioria destas despesas nem a 30 pode chegar. E grande parte deste país vive com isso ou menos! De contas abaixo de “30 a 50 euros por mês”.

 

Assim como aqueles que, mesmo com um salário bruto acima deste valor, mas pendurados por fragilidades contratuais, estágios provisórios e tributações altíssimas (nem todos têm 20 filhos para ‘abater’ no IRS, nem a todos pode sair um AUDI na lotaria das faturas) pouco mais lhes sobra do que “30 a 50 euros por mês” acima do ordenado mínimo.

 

Como ainda não somos um país só de Vagabundos, pese embora seja a imagem com que muitos políticos se atiraram ao poder – preconceituosamente – acerca da vida social que, há muito tempo, desconhecem. Como a maioria ainda não vive de percorrer 25 a 30 km diários para arrumar cama num alguergue, como os vagabundos de Inglaterra que George Orwell descreve, por exemplo em “Le Progrès Civique” de 1929, ainda há as rendas de casa. Essas, que andam entre os 300 e os 500 euros por mês.

 

Não podemos esquecer que, nos últimos anos, e constantemente, temos assistido ao aumento das horas de trabalho, ao aumento do número de pessoas sem trabalho, e a manutenção ou rebaixamento das remunerações. Ou seja, um trabalho desvalorizado, por hora, e menos pessoas a contribuir para o Estado Social que, por sua vez, tem sido depauperado para pagar dívida pública, juros e todo o tipo de encargos externos ao seu funcionamento.

 

São essas pessoas, sem qualquer tipo de alternativa, que têm de confiar na Segurança Social sem possibilidades de, mesmo querendo, poupar “30 a 50 euros por mês” como aconselhou José Quintero, administrador da Fidelidade, para se prepararem para o futuro.

 

Ou seja, a confiar nesta falta de confiança na Segurança Social, para uma boa parte da população não há hipóteses de qualquer esperança no futuro, e voltamos a cair na exploração da “tese moral” acerca dos hábitos de gestão económica individual da população. Quer por parte dos políticos, quer por parte dos ‘grandes gestores’.

 

Típico da época medieval, ou pré-renascentista, em que era recriminado religiosa e moralmente o enriquecimento bancário das cidades estados italianas, só desculpado quando investido em obras artísticas de caris religioso. Aqui é o mesmo, quem consumir não é inteligente e é despesista. Já quem encher os cofres dos bancos ou das seguradoras é exemplar e precavido. Desde que consiga prever também a sua sustentabilidade e capacidade de resistir às falências, insolvências e jogos de mercado. Já se, por outro lado, a economia assenta numa perspetiva de consumo, não se percebe a recriminação constante do mesmo. Independentemente deste ser a crédito ou a pronto. Afinal, não é esse o modelo que se quer copiar para a Europa?

 

No entanto, para um terço das pessoas, que não aufere nem perto da média salarial do norte europeu (1,11 milhões de pessoas recebe entre 360 e menos de 600 euros); que não tem perspetivas de mudança imediatas; ou quaisquer vislumbres no futuro próximo; que não consegue ganhar muito mais do que para satisfazer as suas necessidades básicas; cujas aflições circulam entre o que comer, o que deixar por pagar e com o que se distrair do miserável estado da economia; e sobretudo para quem não tem rendimentos ou emprego sequer; para essas pessoas, poupar é que é insustentável. Porque se pouparem, ou perdem o trabalho ou morrem à fome.

 

Não podemos esquecer, ainda, que ter vícios, prazeres, atividades de lazer, e formas de escape ao quotidiano é também, e acima de tudo, uma forma indispensável, privada e íntima, de nos mantermos mentalmente vivos. Sob risco de sermos uns autómatos apáticos e idiotas mentais.