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Vetores da Inutilidade

Poesia, Atualidade, Crítica, Opinião, Artes e Cultura. Um blog por João M. Pereirinha

Vetores da Inutilidade

Poesia, Atualidade, Crítica, Opinião, Artes e Cultura. Um blog por João M. Pereirinha

O TRABALHO E A IDENTIDADE

“Operários”, de Tarsila do Amaral, 1933, óleo sobre tela, 150cm × 205cm, Palácio Boa Vista.

Não há almoços grátis, mas ainda existe muito trabalho gratuito. Pior do que o trabalho mal pago é a moda cada vez mais recorrente da substituição do valor do trabalho por bens ou serviços, o chamado trabalho "voluntário". Por isso mesmo, os direitos trabalhistas não podem ser excluídos da base do discurso político e do campo de batalha no espectro democrático. Muito pelo contrário, devem estar no centro da luta social contra o avanço descomunal da desregulação e da onda autoritária que a acompanha.

 

Porém, estes só serão efetivos se forem acompanhados paralelamente de uma pauta (também) identitária, capaz de garantir que a redistribuição da riqueza espelhe também a diversidade social da qual o mercado de trabalho é e deve ser feito. Sem isso, nada vale a pena, pois estaremos apenas a caminhar para o passado. Por isso, não acredito que as duas sejam conflituantes ou excludentes. Embora seja mais fácil esquecer a segunda quando pertencemos ao grupo mais favorecido dos desfavorecidos. Quando somos brancos, heterossexuais e homens, ao contrário de muita gente para quem ser diferente disso representa muitas vezes a negação do acesso ao trabalho, à família, à saúde, à educação, à justiça e à dignidade ou a diferença entre a vida e a morte. Ninguém pode abdicar de ser quem é ou do percurso que fez de si quem é.

 

Sobretudo, porque são essas diferenças que têm servido para perpetuar uma discriminação de acesso aos direitos fundamentais, como a liberdade (em todos os sentidos) e a igualdade de acesso às oportunidades e aos rendimentos. Todos serão trabalhadores, mas uns são menos pagos, menos empregados e menos respeitados ou reconhecidos simplesmente por serem quem são, e isso está mal. Isso é uma injustiça. Enquanto assim for, nenhuma conquista será verdadeiramente universal.

 

Algo ainda mais evidente quando se tratam de sociedades onde estas pessoas constituem a maioria efetiva da população. Uma maioria silenciada que se vê excluída de uma participação plena na sociedade que se constrói e desenvolve, não só com o seu esforço, mas às custas da sua desigualdade. Ou a luta de classes se faz com todos e por todos, ou se limita a substituir os privilégios de uns pelos dos outros. Ou melhor, a substituir o trabalho "voluntário" de uns pelo trabalho "gratuito" de outros...

 

Uma coisa não pode excluir a outra e vice-versa, pois se a identidade pode provocar ojeriza e antipatia das massas, as afinidades de classe por si sós também não serão suficientes para apagar as marcas dessa repulsa. Pois ela ultrapassa qualquer privilégio que a transferência rendimentos ou o elevador social possam prover.

 

Imagem: “Operários”, de Tarsila do Amaral, 1933, óleo sobre tela, 150cm × 205cm, Palácio Boa Vista.