O que é que a Mona Lisa tem de especial?
Como nota prévia, devo dizer que não sou especialista em História de Arte. Os meus estudos no Ensino Superior incidiram, sobretudo, nas Artes do Espetáculo (Teatro, Música e Cinema), embora sem descurar, além da História, a iniciação às Belas Artes, o estudo da Fotografia e Imagem ou até a Literatura e os Novos Média. Dito isto, passo aqui para dizer – até com alguma provocação – que não foi tanto pela conceção artística e a beleza estética que Mona Lisa, ou La Gioconda (c. 1503–1507, Óleo sobre madeira, 76.8 × 53.0 cm, Museu do Louvre, Paris) se tornou no quadro mais famoso do mundo. Mas sim, e muito mais, através das artes do espetáculo, na “era da sua reprodutibilidade técnica” (parafraseando Walter Benjamin), e dos meios de propaganda. Acontece que o evento que tornou este singelo e pequeno quadro tão famoso (um dos poucos temas não religiosos de Da Vinci, na pintura), foi precisamente o seu desaparecimento a 21 de agosto de 1911. Até então, apesar de outrora ter estado nos aposentos de Napoleão, ela não merecia mais atenção no museu do que as restantes obras de Da Vinci, como os quadros na imagem abaixo, onde destaco a magnífica obra A Virgem e o Menino com Santa Ana (c. 1508, Óleo sobre painel, 168 × 112 cm) mais à direita, actualmente presentes na ala Denon, no nível um do Museu do Louvre de Paris, junto às restantes pinturas italianas. Acontece que o ex-funcionário do museu, hoje em dia tornado ícone também, Vincenzo Peruggia, resolveu roubar o quadro cuja proteção tinha sido instalada por ele, permanecendo desaparecido até 10 de dezembro de 1913, quando Peruggia foi capturado ao entregar a obra a Alfredo Geri, um vendedor de antiguidades de Florença. O ladrão alegou querer devolver a Itália um dos maiores tesouros da arte italiana para se vingar de Napoleão, que no século anterior teria confiscado a obra. Contudo, a verdade é que o próprio Da Vinci tinha vendido o retrato de Mona Lisa ao rei francês Francisco I, em 1516, por 4 mil táleres de ouro, um valor bastante significativo para a época.
No entanto, segundo Darian Leader, autor do livro “Stealing The Mona Lisa: What Art Stops Us From Seeing”, durante o seu desaparecimento "a imagem começou a aparecer em noticiários cinematográficos, caixas de chocolate, postais e anúncios publicitários. De repente, ela transformou-se numa celebridade igual às estrelas de cinema e aos cantores", e já nessa altura começou a mobilizar multidões inteiras que iam ao museu apenas para ver o espaço vazio da “obra de arte mais famosa do mundo”. Um evento que foi depois esquecido, quando a imprensa viu que não havia muito que especular daí em diante, abrindo espaço para todo o tipo de questões posteriores, que se alimentaram (e alimentam hoje em dia) como uma bola de neve. Das sobrancelhas à paisagem, do sorriso às radiografias, da psicanálise à posição da modelo passando pelo debate da sua identidade (que também levanta suspeitas sobre a denominação da obra), estes assuntos fazem com que este seja um dos primeiros quadros mundialmente famosos e uma das primeiras obras a entrar no rol do kitsch. Que as pessoas procuram não para apreciar (porque é fisicamente impossível fazê-lo) mas sim para marcar presença na lista de retratos e locais a visitar. Ultrapassando largamente a popularidade de outras obras, muito mais emblemáticas e conhecidas já antes do acontecimento, como a estátua Vénus de Milo, a pintura "A Liberdade Guiando o Povo" (1830, óleo sobre tela, 260 × 325 cm) de Eugène Delacroix e o quadro "A Balsa de Medusa" (1918-19, tinta a óleo, 491 x 716 cm) de Théodore Géricault.