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Vetores da Inutilidade

Poesia, Atualidade, Crítica, Opinião, Artes e Cultura. Um blog por João M. Pereirinha

Vetores da Inutilidade

Poesia, Atualidade, Crítica, Opinião, Artes e Cultura. Um blog por João M. Pereirinha

O que é a Liberdade?

© Eduardo Gajeiro, 25 de Abril de 1974, Capitão Salgueiro Maia no Largo do Carmo

"Sejam resolutos em não servir e vocês serão livres." - "Discurso sobre a servidão voluntária", Etienne De La Boétie.

 

Tendemos a pensar, com facilidade, que a Liberdade é um valor universal, pleno e unânime, geográfica e temporalmente. Mas não é. Basta vermos a forma regular e rotineira com que nos submetemos a escolhas pré-determinadas. Como por exemplo, os menus, as opções e a escolha do mundo virtual, através de sites, motores de pesquisa, algoritmos, redes sociais, aplicações. Não estamos verdadeiramente a ser livres, estamos a subjugar-nos a um código ao qual aceitamos obedecer. Ou então, basta ver a forma como a nossa liberdade é reiteradamente subjugada pela força de outros valores, como o dinheiro e a economia. Quantas pessoas foram trabalhar hoje, dia 25 de Abril, forçada ou voluntariamente? E podemos ainda olhar para as camadas de resistência que a Liberdade em si enfrenta e enfrentou, por exemplo, nos anos pós-revolução, numa altura em que o mundo olhou para nós talvez com mais preocupação e apreensão do que olha agora para a ascensão de novos movimentos opressores no mundo inteiro.

 

Gosto imenso do livro de Etienne De La Boétie, "Discurso sobre a servidão voluntária", de 1574-76, precisamente porque ele nos diz que basta ao homem querer ser livre, para o ser. Baste-lhe desejar essa liberdade e não alimentar mais a chama do tirano, para lhe tirar todo o poder de opressão. Contudo, tanto na época, com o apego ao feudo, como hoje em dia, onde nos escravizamos pelo trabalho, pelo dinheiro, pela ambição de coisas vazias, é normal que a resistência do grupo enfraqueça o desejo do indivíduo. Sobretudo porque nos esquecemos do que significa realmente a Liberdade, sem ser condicionada: "Incrível coisa é ver o povo, uma vez subjugado, cair em tão profundo esquecimento da liberdade que não desperta nem a recupera; antes começa a servir com tanta prontidão e boa vontade que parece ter perdido não a liberdade mas a servidão".

 

Pelo que é difícil aos homens e às mulheres, aos povos em geral, desejar algo cujo alcance desconhecem. Pois “numa só coisa, estranhamente, a natureza se recusa a dar aos homens um desejo forte. Trata-se da liberdade, um bem tão grande e tão aprazível que, perdida ela, não há mal que não sobrevenha e até os próprios bens que lhe sobrevivam perdem todo o seu gosto e sabor, corrompidos pela servidão”. Tornando assim a liberdade na “única coisa que os homens não desejam; e isso por nenhuma outra razão (julgo eu) senão a de que lhes basta desejá-la para a possuírem; como se recusassem conquistá-la por ela ser tão simples de obter”.

 

É por isso que dias como este, que sirvam para preservar a memória da Liberdade e da dificuldade ou não de a conquistar, contra todas as formas de servidão, monetária, ideológica ou religiosa e afetiva, são tão importantes e devem ser celebrados de forma expansiva. Sem esquecer que os tiranos não se extinguiram, apenas procuram a oportunidade, a forma e as pessoas certas a quem estender novamente o convite à submissão. Mas não se distraiam, a aparente abundância e ilusão de sermos eternamente livres não é Liberdade de facto.

 

A Liberdade em si, plena, universal e unânime, só existe quando todos nós abdicarmos de querer achar a diferença no outro, abdicarmos de querer subjugar o outro e pararmos de nos mover por interesses e hierarquias, assim como os tiranos. Pois só no sentimento de igualdade, nutrido pela aproximação da amizade ou da fraternidade, podemos encontrar as semelhanças necessárias nuns e noutros para que todos sejamos livres.

 

Se a Liberdade fosse um bem adquirido, não tinha demorado 48 anos a ser conquistada. Ao fim de outros 43 anos, não a deixem fugir.

 

25 de Abril, Sempre!

 

IMAGEM: © Eduardo Gajeiro, 25 de Abril de 1974, Capitão Salgueiro Maia no Largo do Carmo fala com a população.