O NEOLIBERAL TAMBÉM CHORA
Ontem, dia 10 de novembro de 15, PS, BE, PCP, PEV e o PAN votaram a favor da moção de rejeição e, 11 dias depois, terminou o XX Governo Constitucional. Embora tenha sido um dia histórico, a vários níveis, para a maturidade da Democracia e da República Portuguesa, ao ser firmado um acordo que uniu três partidos à Esquerda com fissuras e distâncias até então inquebráveis, houve outros factos que também merecem especial reparo e análise. Ontem também foi o dia em que, ao fim de 41 anos de Democracia, e depois do trauma que foi o 25 de novembro de 1975, a Direita portuguesa saiu pela primeira vez à rua para se manifestar, invadiu as redes sociais e a televisão com protestos, e utilizou “a voz do povo”, como argumento. Ao ler, ver e ouvir tudo o que pude, descobri nestes dois dias que:
- O neoliberal também se organiza, manifesta e vocifera na rua, à imagem dos repulsivos pasquins sindicais;
- O neoliberal também desabafa de forma piegas no feed do Facebook, à imagem dos malandros, desempregados e subsidiários radicais de esquerda e comunas subversivos;
- O neoliberal também chora e grita em nome do povo, pelo povo e com o povo, desde que esse utilize camisa, calças beje e pulôver às costas ou, quanto mais, à cintura;
- O neoliberal também tem uma visão pessimista da realidade, desacreditada das possibilidades de crescimento e força impulsionadora do país e da economia nacional, à imagem daquilo que aqueles repulsivos “velhos do Restelo” da esquerda sempre teimaram em afirmar na oposição durante quatro anos;
- O neoliberal acha ilegítima uma coligação parlamentar pós-eleitoral, porque só ele consegue avistar o abismo que será o segundo Orçamento de Estado. Porque afinal, segundo a análise e experiência do neoliberal (que se demitiu há dois anos), o país continua de tanga – apesar do trabalho ótimo que o neoliberal conseguiu no ajuste das contas públicas;
- O neoliberal afinal acha que os serviços de transporte municipalizados e gratuitos de certas cidades são fundamentais e essenciais, embora queira privatizar todos os outros;
- O neoliberal acha que tudo isto é um desastre, mas passou quatro anos a dizer que a crise era uma oportunidade;
- O neoliberal acha que todos podem brincar à democracia, mas como a bola é dele, quando ele não brinca ninguém joga;
- Por fim, o neoliberal, por norma, costuma tornar-se um intelectual do dia para a noite e, sendo multitask, faz as suas crónicas e registos à imagem dos comentários, análises e motivações que observou durante largas horas de estudo, a ver programas da sua área política como “A Quinta”, “Casa dos Segredos”, “Peso Pesado”, “Você na TV”, o tio Marcelo e o pequenino Ma(g)ques Mendes…;
- Mas a cereja em cima do bolo, é que o neoliberal acha que as mulheres do Bloco de Esquerda são umas galdérias histéricas que não sabem fazer a lida de casa, e por isso deviam ser varridas do parlamento, e talvez seja por isso que o acordo do PS se torna mais ilegítimo: porque junta comunas que comem crianças a mulheres que não cuidam delas.
Enfim, o pensamento do neoliberal ultrapassa-me, e ao mesmo tempo é fascinante. Porque segundo o neoliberal, revestido de uma sapiência incontestável e profunda, do alto da sua superioridade moral, e pese embora que “o país está melhor”: há um surto de doidice que assaltou dirigentes, eleitores e portugueses em geral, e quiçá até os mercados (caso estes não demonstrem já o seu desagrado). Visto que, segundo o neoliberal, todos os partidos são como o seu: traiçoeiros e matreiros oportunistas que nos conduzirão à desgraça após saciar a sua sede de poder! Afinal, o neoliberal também chora, quando o Parlamento, a Democracia Representativa e a República utilizam a Constituição em vez da Convenção.
Imagem: Marcos Borga, Expresso, 10 de novembro 2015, Votação da Moção de Rejeição ao Governo.