O campeonato dos horrores
Absorto com o que se passa no Brasil - com o culto diário da morte feito pelo governo - constato que em Portugal existe uma competição bizarra entre André Ventura e Nuno Melo sobre quem deve ocupar o primeiro lugar da extrema-direita neofascista. O primeiro imita os originais, da década de vinte do século passado, o segundo mimetiza os atuais, discípulos de Olavo de Carvalho e Steve Bannon. Ou, na melhor das hipóteses, de Jordan Peterson e Roger Scruton, embora apenas de fachada. Os primeiros dizimaram milhões de pessoas, em guetos ou na guerra; os segundos estão a promover um genocídio no Brasil, ignorando a Pandemia, diluindo a separação de poderes e aumentando o autoritarismo impunemente.
Seja como for, os ataques a uma suposta "esquerda" imaginária e genérica, de ambos, utilizando muletas retóricas (e falsas) como a "revolução cultural", o "marxismo cultural", o "decálogo de Lenin", ou o espantalho da "ameaça comunista" contra a sociedade dos "cidadãos de bem" para "doutrinar" as pessoas com a "ideologia de género" ou uma "ditadura feminista" ou a "patrulha do politicamente correto", fazem parte de uma estratégia metódica do manual da extrema-direita mundial, que procura esvaziar significantes democráticos e legitimar absurdos. É uma linguagem que veio para ficar e que noutros locais teve bastante adesão, por capitalizar a frustração das pessoas através de ataques focados em afetos negativos, sejam eles preconceitos comuns, ódios localizados ou medos genéricos. Outra característica importante e à qual todos devem estar atentos é que nunca, em momento algum, eles se retratam, pedem desculpas ou corrigem erros, mentiras e invenções, o método passa por atacar, capitular, voltar à carga e arranjar sempre um pretexto para insistir, sem nunca se defenderem ou necessariamente justificarem.
Pode parecer ridículo, quando não estão no poder, mas quando lá chegam e começam a menosprezar a vida alheia, como o fez Regina Duarte há dias - cantando a marcha da ditadura, ironizando a morte, porque "é normal", e ridicularizando a tortura ou as valas comuns - ou como tem feito Bolsonaro e todo o restante governo, ao compararem a subsistência de empresas à perda de vidas humanas, incentivado as pessoas a ignorar o isolamento e a desrespeitar as normas de quarentena, esvaziando qualquer oposição (política e institucional), passa a ser apenas horrível. Estamos a viver sob uma "hipernormalização" do horror, como diria Adam Curtis.
Estejam atentos, esta não é uma competição desportiva, é um campeonato de horrores onde ganha quem ceifar mais vidas.
Ilustração de @Crisvector.