O BRASIL PRECISA EXORCIZAR O DEMÓNIO DA DITADURA
A narrativa e as ações de mitigação do espaço da Democracia no Brasil têm sido a imagem do executivo liderado por Bolsonaro. Em menos de um ano no cargo, o Presidente foi aparelhando todo o sistema do Estado, ao mesmo tempo que ia circunscrevendo o limite de tolerância das instituições às suas declarações, aos seus abusos de autoridade e aos seus ataques. Em pelo Halloween, o filho que pretendia indicar para Embaixador nos EUA e que colocou como líder do partido (PSL) na Câmara dos Deputados, ressuscitou o fantasma da ditadura.
Um ano após a eleição, além de todos os excessos, Eduardo Bolsonaro deixou claro que está disposto a fazer um novo AI - 5 (Ato Institucional nº 5, decreto editado em 13 de dezembro de 1968, que marcou o período mais negro da ditadura militar no Brasil) para perseguir a oposição, caso essa venha para a rua manifestar-se contra o governo, à imagem do que está a acontecer no Chile, onde já morreram 20 pessoas. Mesmo com algumas tentativas de retificar o que disse, não restam dúvidas daquilo que ele e toda a sua família sempre defenderam, antes e depois das eleições. O clã Bolsonaro “sonha” – como disse o seu pai ao referir-se às declarações do filho – com implementar uma ditadura no Brasil. Assim sendo, não há margem para outra interpretação que não seja essa: eles querem acabar com a Democracia e a Liberdade.
Pouco importa se têm capacidade para isso ou não. Se durante trinta anos Jair Bolsonaro flertou com o regime militar, com inúmeros episódios onde defendeu as brutalidades da ditadura, tudo o que tem feito após tomar posse só tem consolidado essa narrativa: ameaçou prender jornalistas, cassar licenças de redes de televisão, atacou jornais e imprensa ao cancelar contratos e assinaturas, exigiu inquéritos à Polícia Federal, aparelhou o Estado, restringiu a liberdade das instituições, atacou ONG’s e universidades, intrometeu-se nas eleições de outros países, mitigou a ação do próprio partido e reafirmou a sua admiração pelo maior torturador da ditadura militar ao receber a sua viúva no Planalto.
“O diabo mora nos detalhes”. Contudo, durante meses os detalhes que davam pistas desta possível deriva autoritária foram sendo ignorados, relativizados e colocados em perspetiva. Fosse porque parte da população continuava a espumar de ódio pela oposição, fosse porque parte dos media, grupos económicos e setores de opinião estavam comprometidos com a solução encontrada, fosse porque muitos eram incapazes de admitir o erro crasso que foi a eleição de um conjunto de despreparados e ignorantes autoritários. A verdade é que eles nunca esconderam ao que vinham, quais eram as suas inspirações e ambições.
Muito pelo contrário. Se Carlos Bolsonaro já tinha deixado escapar esta possibilidade autoritária numa rede social, Eduardo Bolsonaro pavoneia-se e fotografa-se constantemente com armas e Flávio Bolsonaro é incapaz de esconder a sua relação com os dois suspeitos de integrar o “Escritório do Crime”, um grupo de extermínio apontado como responsável pelo assassinato da vereadora Marielle Franco. Foi precisamente este o caso que voltou a ser notícia esta semana, com o possível envolvimento do próprio Jair Bolsonaro, através de um depoimento do porteiro, exposto pela Globo, desmentido pelo Ministério Público, retumbando numa avalanche de declarações e exageros de todos eles, totalmente incompatíveis com um Estado de Direito.
Com a morte da vereadora do Rio de Janeiro pairando sobre as suas cabeças, a família Bolsonaro pretende assustar os democratas com o fantasma da ditadura. Esperemos que os líderes das instituições que já o criticaram saibam exorcizar estes quatro demónios, começando pela cassação do mandato, defendendo a Democracia até ao último suspiro.
Imagem: Pedro Ladeira/Folhapress