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Vetores da Inutilidade

Poesia, Atualidade, Crítica, Opinião, Artes e Cultura. Um blog por João M. Pereirinha

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Manifesto Artístico: 125 anos de Florbela Espanca

Florbela Espanca

1. Florbela Espanca nasceu em Vila Viçosa, em 1894. Passaram 125 anos. Haveria muitas formas de começar este texto, mas os factos imperam sobre o mais prosaico dos lirismos. Portugal celebra 125 anos do seu nascimento; a Literatura celebra 125 anos da sua existência dissonante; as Mulheres celebram 125 anos da sua liberdade gritante; os calipolenses, em Vila Viçosa, podem entristecer-se com a falta que ela ainda nos faz. Pois, "a ironia é a expressão mais perfeita do pensamento", Florbela.

2. Há quem diga que viveu à frente do seu tempo. No mínimo, um século! Veja-se que, passados 125 anos, há em Vila Viçosa, uma ‘ombreia’, um busto e um jazigo, com seu nome talhado no mármore, nesse tão duro fruto que a terra nos dá. Mas o atraso nas artes, a falta de investimento sério na cultura, a inexistência de um planeamento estratégico e sustentável no âmbito da Cultura local, denunciam uma total e transversal incompreensão sobre o significado, o legado e a importância desta Figura. É que, “sentir é muito, [mas] compreender é melhor”, como ela mesmo disse.

3. Para homenagear alguém que, num derrame poético de metáforas e amor visceral, numa rebeldia que a levou a embater com os duros e pouco absorventes costumes da época, se refugiou no campo das ideias. Que criou mundos de metáforas e mergulhou na matéria sensível dos pensamentos, sendo perdidamente ímpar e singular. Para homenagear essa pessoa, é preciso mais do que um edifício, quase abandonado, com o seu nome embutido.

4. Para homenagear Florbela, há que criar! Há que plantar flores no imaginário, e colher frutos na estética das palavras, na forma dos sentidos e no calor das ideias. À imagem do que já mencionei noutros textos – e propus em sede própria – este Manifesto, é pelas Artes e pela Cultura, calipolenses e alentejanas. Pois: “a Arte não deve ser diferente da Vida, mas uma ação dentro dela. Como tudo na vida, com os seus acidentes e acasos, diversidade e desordem, e as suas belezas efémeras” (John Cage, 1952).

5. Proponho então esse ‘caos’, essa ‘diversidade e desordem’, e essa ‘ação’ dentro da vida cotidiana calipolense. Sendo mais do que um pretexto, uma necessidade intrínseca para todos os habitantes e apegados a esta terra profícua em produção, proliferação e reinvenção artístico-cultural.

6. A crise não pode ser desculpa! Pois, não há qualquer necessidade de um investimento em novas infraestruturas ou meios, quando estes já existem. Embora com pouco foco e nada, ou mal, rentabilizados. Nomeadamente, o Cineteatro Florbela Espanca, no coração da vila e em péssimo estado de conservação.

7. É preciso devolver à população este espaço de encontros! Um equipamento com um sem fim de possibilidades, tanto ao nível artístico e cultural, como ao nível turístico, indo ao encontro daquilo que nos define enquanto Calipolenses e Alentejanos. Um povo intimamente ligado à Cultura e às Artes, e cujos maiores vultos históricos são exemplo disso.

8. É fundamental que exista um compromisso alargado entre as ambições artísticas e as necessidades da população. Que se crie um ambiente de congregação, de criação e exibição nas mais variadas formas artísticas.

9. Precisamos urgentemente de uma Política e Programação Culturais em prol da Educação para as Artes, que inclua de forma participada a comunidade em geral – promovendo sobretudo uma aproximação entre os criadores e a população.

10. É preciso que exista uma aglomeração de sinergias, (por intermédio de várias instituições, municípios e plataformas civis) num espaço, num concelho e numa terra que seja digna dos seus artistas, dos seus poetas e do nome de Florbela Espanca. No mínimo que seja ou exista enquanto Casa de Cultura e Artes e que fomente a Prática, a Aproximação, a Apreciação, a Crítica e a Divulgação comunitária.

11. Pois, enquanto vivermos numa cidade, vila ou município, que nos crie a ansiedade de não possuir uma biblioteca municipal; que nos prive do acesso a uma livraria; que não nos mostre, incentive e ajude a participar de qualquer forma artística; que não tenha como missão ou plano incentivar, destacar ou proteger os seus artistas ou agentes culturais; que não investe na compreensão preservação e crescimento da cultura local; quando deixa e descarta todas as responsabilidades a entidades que a substituem na persecução do interesse comum; quando assim é, tudo fica em causa. Ficando em causa, sobretudo, a Cultura daquilo que fomos, somos e queremos ser. O que sobra é a agonia de fugir!

12. Porque, “muitas vezes as nossas mais delicadas atenções, as nossas maiores provas de amor, os nossos cuidados, são como aquelas pérolas que um dia alguém atirou a uns porcos…”, Florbela Espanca.

P.S.: Este texto foi inicialmente escrito e publicado a 8 de Dezembro de 2014, com o título "Manifesto Artístico | 120 anos de Florbela Espanca". Até então, 5 anos depois e 125 após a celebração do nascimento de Florbela Espanca, a necessidade e o abandono são os mesmos.