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Vetores da Inutilidade

Poesia, Atualidade, Crítica, Opinião, Artes e Cultura. Um blog por João M. Pereirinha

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La La Land merece todos os prémios

La La Land, Emma Stone e Ryan Gosling

Há um ano que esperava para ver “La La Land” (2016, real. Damien Chazelle), que fez um longo percurso, de festival em festival, de apresentação em apresentação, de rascunho rejeitado há anos atrás, até ao grande sucesso nos Óscares de 2017 (seis estatuetas em 14 nomeações), com Ryan Gosling e Emma Stone como protagonistas de um filme que é muito mais do que uma homenagem ao cinema. É uma pura e genuína homenagem à vida enquanto forma de arte, capaz de nos tocar da forma mais sensível e delicada possível. Este filme tem tudo o que é necessário para merecer todos os prémios do mundo!

 

Logo no início, com “another day of sun”, a música rompe a monotonia habitual do trânsito em direção às colinas da cidade, percorrendo o asfalto da estrada com cor e ritmos, nas blusas, nos vestidos, nos tambores, no sapateado e no flamengo, numa chuva de dança. Com a mensagem de que perante a desilusão do fracasso, o importante é não desistir de apreciar a vida a cada momento, mesmo na sua simplicidade heterogénea. Como os ciclos da vida, este filme é preenchido através das cores das estações do ano, como uma música de jazz que, depois de nos apresentar o mote inicial, vai brincando com as suas variações, cada vez mais complexas, até voltar à nota inicial. Depois do prelúdio, começamos no inverno de uma audição interrompida.

 

Um inverno onde não há quem nos aqueça a alma, sozinhos entre a multidão de gente, onde a vida é uma audição constante, para lá dos alicerces da amizade.  De um raccord plástico para outro, à medida que ouvimos variações da mesma música, sempre o mesmo tema como leitmotiv, somos introduzidos ao dilema artístico de Sebastian (Ryan Gosling), que se acha uma fénix prestes a renascer, ao som do piano. O que nos leva à reunião de falhados anónimos, reunidos à beira de uma piscina de primaveras, antes do sapateado de ilusões sobre a paisagem de sonhos longínquos. Não há como não sentir o peso irónico que esmaga os sonhos destas personagens, à procura de uma oportunidade na industria artística. O que faz com que este não seja um filme sobre uma história de amor, mas sim uma história sobre o amor à arte.

 

Afinal, da mesma forma que “não existem maus motivos para gostar de arte”, como diria Seb “quando as pessoas dizem que odeiam jazz é porque não têm contexto”. Esta “cidade das estrelas”, Los Angeles, onde os sonhos tantas vezes se esbatem na realidade, é uma cidade onde os astros se confundem com a luz artificial, onde a fantasia dos sonhos supera qualquer mágoa deixada pelas desilusões. Onde não há melhor papel para cumprir do que a espontaneidade do improviso nos gestos genuínos.

 

Depois a vida é feita de verões longos e roxos, de outonos vermelhos, de decisões no fio da navalha entre o ser e não ser, pode e deve a haver.  Onde crescer implica passar pelo crivo cruel dos nossos desejos, necessidades e daquilo que podemos ou não fazer ou lutar por isso. Onde os sonhos caem como uma folha caduca no outono, que regressa à terra para se regenerar e dar lugar a outra coisa nova, diferente.

 

A beleza deste filme encontra-se também no facto de nos mostrar que a dor da queda não nos deve impedir de nos levantarmos para saltar novamente. Até nos conseguirmos isolar numa melodia verdadeiramente única e intima e simultaneamente transcendente. É um filme que enaltece a loucura dos sonhadores, como Dom Quixote, cujos corações sofrem na areia dos dias que vêm as marés rebentar em sonhos e paixões em cada onda de espuma à beira-mar por realizar. Uma vida de ciclos e de decisões ou caminhos, toda ela contida num filme alegremente triste e tristemente belo. Um melodrama que nos revira os sentimentos de uma forma simples, gentil, delicada e indolor, mas que nos ensina bastante sobre a dor de não desistir e a realização de falhar cada plano, cada coisa que nos conduz à próxima etapa. Alinhando os improvisos da vida nas teclas de um piano e nas notas soltas de um saxofone que nos toca a alma, em castings de amor e desilusão.
 

Às vezes os nossos sonhos estão empatados ao balcão de uma cafeteira, entre um cappuccino e um cupcake, à espera de serem descobertos. Às vezes só precisamos que alguém nos incentive a investir nesses sonhos, na altura certa ou em qualquer altura. Às vezes só precisamos de uma oportunidade!

 

Sim, este filme é uma homenagem aos clássicos, que não esquece o camp estético e propositado, e que se justifica nos arranjos e nas técnicas modernas de pathos, com outro tipo de rebeldia sem causas. Mas, acima de tudo, é uma bela obra de arte que atinge uma beleza difícil de alcançar, característica das obras primas. Que pétala de filme, que folha de outono sem medo da queda.

 

ps: Apesar de Damien Chazelle ter arrecadado o Óscar de Melhor Realizador, o prémio de Melhor Filme foi para Moonlight (2016, real. Barry Jenkins), com a polémica troca de envelopes na altura da atribuição, mas também ficou bem entregue, numa cerimónia onde as grandes disputas eram, acima de tudo, entre filmes sobre o amor.

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