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Vetores da Inutilidade

Poesia, Atualidade, Crítica, Opinião, Artes e Cultura. Um blog por João M. Pereirinha

Vetores da Inutilidade

Poesia, Atualidade, Crítica, Opinião, Artes e Cultura. Um blog por João M. Pereirinha

"Filha do medo, a raiva é mãe da covardia"

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Recuso-me a debater os limites do humor quando estão em causa os limites da violência. Limites esses que têm sido extrapolados sem contraditório, sem restrições nem punições, diminuindo as nossas liberdades e garantias. Entre elas, a liberdade de expressão, artística, de pensamento e de existência. É por aqui que deve começar a crítica à intolerância, ao ódio e à violência que estão na origem do ataque terrorista ao Porta dos Fundos, em tudo igual e semelhante aos vários que aconteceram no Charlie Hebdo (não necessariamente o último). 

 

Essa é a principal armadilha: enquanto as milícias virtuais (que já fazem ataques às pessoas nas redes sociais e na Internet há vários anos ) começam a ir para as ruas, promovendo uma orda de ataques físicos e terroristas que visam ocupar as ruas, o espaço público e privado, através da força e da dominação, para nos silenciar (às vezes com a própria vida) ou autocensurar; não podemos ficar perdidos no debate sobre o que é ou não arte, o que é ou não comédia, o que é ou não permitido expressar livremente numa opinião, política ou não.

 

Ao mesmo tempo que mergulhamos no obscurantismo, vamos perdendo espaço para a violência e o medo. É isto que está a acontecer, sem comoção, sem contraditório nem reacções das instituições ou da sociedade, como forma de repúdio coletivo e expresso a esta barbaridade. Fomos da homofobia ao fanatismo com cocktails de molotov. 

 

Por outro lado, temos os argumentos e debates de "justificação", que têm como base uma intolerância velada à crítica e ao escárnio, à diferença e à liberdade de pensamento, sendo, por isso, tendencialmente autoritários. Uma posição que procura flexibilizar a violência, utilizando a adversativa para abraçar a agressividade e a crueldade, o fanatismo e o descontrolo, como forma de estar. Uma forma de vírus que está a degradar o sistema imunitário da sociedade.

 

É fundamental parar com esta relativização do fanatismo (religioso ou de qualquer tipo), apoiado numa idea de guerra cultural e de atomização dos valores humanos, que está a provocar uma brutal fissão do espaço democrático, em vários países, bem como uma evaporação das nossas liberdades e garantias, árduamente conquistadas ao longo de décadas.

 

Não é o humor nem a arte, aliás, como sempre, que devem ser censurados ou limitados, na sua autópsia sobre a sociedade. Mas sim os discursos, atitudes e narrativas que conduzem à selvajaria intolerante, como patologia de uma doença social grave que estamos a viver e que deve ser levada a sério, sob pena de uma morte lenta e agonizante de toda a estrutura moral, ética e filosófica que está na base da nossa arquitectura democrática.

 

"Tem que bater, tem que matar, engrossa a gritaria

Filha do medo, a raiva é mãe da covardia

Ou doido sou eu que escuto vozes

Não há gente tão insana

Nem caravana do Arará

Não há, não há"

"As Caravanas", de Chico Buarque, faixa do álbum "Caravanas" (2017). 

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