Espelho meu, espelho meu, há algum concelho pior que o meu?
O município e a gestão política de Vila Viçosa parecem ser menos transparentes que um bloco de mármore. Na verdade, quando é bem polido, o mármore chega a ser espelhado. Quando olhamos para os resultados do Índice de Transparência Municipal (ITM), é isso que podemos ver, o reflexo de vários anos de estagnação, intencional ou não, que se perpetua com a sucessiva descida de escalão. Em 2013, quando saiu o primeiro relatório do ITM e o primeiro Ranking dos 308 municípios nacionais, Vila Viçosa estava no lugar 115. Este ano, no relatório de 2016, Vila Viçosa salta para o lugar 259. Ou seja, está nos 50 municípios menos transparentes do país.
Imagem © João M. Pereirinha 2016 | Paço Ducal de Vila Viçosa
Ao centro, a estátua de D. João IV em bronze, de Francisco Franco, com pedestral em granito, do arquitecto Pardal Monteiro.
Mas o que é que isto significa, será que o município tem diminuído a sua “performance” ao longo dos anos? Não necessariamente. O que realmente aconteceu é que Vila Viçosa estagnou, ao passo que os outros municípios, em geral, melhoraram. Para percebermos o que se passa, é preciso olhar para os dados. Os rankings são perigosos de discutir, sobretudo quando falamos de políticas públicas (locais ou nacionais). Porque apesar se incentivarem a melhoria das políticas em geral, através da “competição” entre as instituições, a verdade é que existe a tentação perniciosa de se olhar muito para os rankings e pouco para os indicadores que os compõem. Comparando, muitas vezes, realidades diferentes com parâmetros iguais.
Contudo, o ITM “mede o grau de transparência das Câmaras Municipais através de uma análise da informação disponibilizada aos cidadãos nos seus web sites". Sendo "composto por 76 indicadores agrupados em sete dimensões: 1) Informação sobre a Organização, Composição Social e Funcionamento do Município; 2) Planos e Relatórios; 3) Impostos, Taxas, Tarifas, Preços e Regulamentos; 4) Relação com a Sociedade; 5) Contratação Pública; 6) Transparência Económico-Financeira; 7) Transparência na área do Urbanismo”.
Assim, o que podemos constatar é que o município de Vila Viçosa, na primeira avaliação, teve uma pontuação ponderada no ITM de 36 pontos em 2013, último ano de mandato PS, ficando no lugar 115. Uma pontuação e posição de ranking que manteve em 2014, primeiro ano do atual mandato CDU. Mas em 2015 diminuiu para 33,65 pontos, o suficiente para ser relegado para a posição 221. Desceu mais de 100 lugares! O que aconteceu? Os outros municípios melhoraram, e bastante!, ao passo que Vila Viçosa piorou. Já neste último ano, o município calipolense manteve a mesma pontuação (33,65) mas voltou a descer pelo mesmo motivo, para a desastrosa posição 259.
Se olharmos para os concelhos fronteiriços, podemos ver que não é caso único. Por exemplo, Borba durante o atual mandato também tem descido, progressiva e drasticamente, da posição 66, em 2014, para o lugar 175, em 2015 e está agora na posição 230 com 37,77 pontos. Estando, apesar de tudo, bastante à frente de Vila Viçosa. Aliás, comparando a “princesa do Alentejo” com todos os concelhos limítrofes, podemos observar que perde em quase todos os indicadores e posição no ranking – com Borba em 230, Alandroal em 159, Redondo em 178 e Elvas em 65 – conforme o gráfico abaixo.
Fonte: Índice de Transparência Municipal (ITM)
Isto demonstra, por outro lado, que não são apenas as condições regionais, geográficas e socioeconómicas intrínsecas aos municípios do interior que prejudicam, per si, o desempenho de qualquer um dos municípios em análise. Pelo contrário, podemos até destacar dois exemplos bastante pertinentes que contradizem esse argumento. Que são: Reguengos de Monsaraz, bem próximo de Vila Viçosa, que ocupa a posição 23, com ITM 88,6; e, obviamente, Alfandega da Fé, que se encontra na primeira posição do ranking, com 100 pontos. Além disso, o que não falta no top 10 são municípios pequenos e de interior.
Portanto, o grande problema, quer de Vila Viçosa como de outros municípios, como Borba, centra-se essencialmente nas opções políticas que têm sido tomadas (ou omitidas) pelos dirigentes, além do afastamento que existe entre estes e as populações, que ajuda a criar um fosso enorme no diálogo entre os intervenientes políticos e a população. Assim como uma dicotomia entre aquilo que são as ações e políticas públicas e aquilo que são as necessidades da população, ou aquilo que deve ser o funcionamento democrático das instituições, que se encontra verticalizado. Em vez de uma pirâmide hierárquica de ordens de comando, onde quase todos os indicadores estão abaixo dos 50 pontos, devíamos ter uma mesa redonda que ajudasse a tornar a política municipal mais transparente, comunitária e inclusiva.
Num pequeno município, substancialmente dependente da extração e transformação, nem tudo o que brilha é mármore polido. A tentativa, frágil, de candidatar Vila Viçosa a Património Mundial da UNESCO não pode ser a (única) estratégia política do concelho, sobretudo quando está totalmente desamparada de participação pública e quando há uma enorme depressão das atividades culturais e turísticas. É fácil de constatar que a par de pequenas reparações urbanísticas, ao nível da calçada, do pavimento e da recolha do lixo, não existe sequer um verdadeiro planeamento estratégico local que analise os pontos críticos do concelho e projete uma visão de futuro ou planos de conceção que envolvam a população. O que é preocupante.
A solução, tanto para Vila Viçosa, como para uma boa parte dos municípios, passa não só por aproximar as pessoas da política, como por reestruturar os mecanismos de autoridade, através de Planos Municipais que estejam essencialmente focados nos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável. Algo que passa por: delegar, em vez de impor; auscultar, em vez de deliberar; participar e colaborar, em vez de destruir; desenvolver, em vez de estagnar; promover parcerias e apoios institucionais alargados e transversais, em vez de antagonizar.
Coisas que passam, neste caso concreto, pela disponibilização constante de informação, acessível a toda a população; pela publicação frequente de decisões e reuniões em múltiplas plataformas; pela criação e edição de boletins ou revistas municipais que sejam transversais e analíticas, e não uma ferramenta de propaganda; ou por respeitar e promover a transparência e os princípios da contratação pública e da aquisição de bens, materiais e serviços. Só isto nos permite ter um escrutínio sério da ação política.
É necessário que os dirigentes locais promovam uma visão em que os investimentos, as estratégias e as opções políticas possam ser pensados e executados de forma participativa, multidisciplinar e inclusiva, para que se consiga incrementar o interesse das populações nas ações políticas, promovendo uma maior literacia, controlo, fiscalização e responsabilidade dos próprios decisores públicos. Tudo isto em articulação com as preocupações e necessidades das populações, assim como com o respeito pelo ambiente e pelos recursos naturais, face aos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. Caso contrário, bem podemos perguntar “espelho meu, espelho meu, há algum concelho pior que o meu?”.