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Vetores da Inutilidade

Poesia, Atualidade, Crítica, Opinião, Artes e Cultura. Um blog por João M. Pereirinha

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A Pirralha do ano

Person of the Year 2019 TIME

Todos os anos, a revista TIME lança a edição sobre a "Pessoa do Ano" (Person of the Year), que destaca o perfil de um homem, mulher, casal, grupo, ideia, lugar ou máquina que "para o bem ou para o mal, mais influenciou eventos no ano". A personalidade de 2019 da TIME é Greta Thunberg, eleita pelo seu activismo ambiental, que começou com as suas greves pelo clima e que hoje se tornou num movimento mundial. 

 

A revista, cuja capa conta com uma magnífica fotografia tirada em Lisboa, Portugal, a 4 de dezembro de 2019, por Evgenia Arbugaeva, faz o relato de como Greta transformou a sua depressão, ao ser confrontada com um documentário sobre as causas e efeitos das Alterações Climáticas no planeta, numa luta séria e militante para exigir mudanças, primeiro do governo sueco, depois dos governos que compõem a ONU, da cúpula de Davos e de cada um de nós. Uma luta contra a destruição do planeta, a morte de milhões de espécies e contra o sofrimento dos povos originais e dos mais pobres, os primeiros a serem afetados pelos efeitos colaterais do aquecimento global. 

 

Uma luta que começou sozinha, à qual se juntou mais um, dois, dez, oitenta e que hoje conta com milhões espalhados por todo o mundo, com a greve global às aulas pelo clima, às sexta-feiras. Uma luta que inspira jovens ativistas da mesma idade que ela, ou pouco mais velhos, que identificam os alertas científicos sobre as Alterações Climáticas como o tema mais importante e urgente do século. Uma luta que é seguida de uma práxis rigorosa, funcionando como exemplo da prática necessária para corroborar o discurso e a missão. Exemplo disso é o facto de toda a família ter deixado de comer carne e de viajar de avião, tendo atravessado o Atlântico, duas vezes, num pequeno barco. Um sacrifício simbólico, mas ao mesmo tempo "insuficiente", como ela própria diz. Pois os níveis de carbono na atmosfera continuam a subir, apesar das tentativas individuais de reduzir a nossa pegada ecológica, as indústrias e os governos continuam a navegar na incerteza e assim "não temos futuro".

 

Porém, apesar de tudo isso, esta jovem atacada de todos os lados, seja pelos seus maneirismos, seja pela sua idade, sexo, ou até pelo síndrome de Asperger — diagnóstico ao qual Greta agradece pela capacidade de concentração e obstinação, ao mesmo tempo que reflete genuinamente as suas emoções e reacções perante os seus interlocutores — ainda assim ela tem conseguido alguns resultados, em vários países, ténues mas suficientes para empoderar os jovens que nela se inspiram e também os cientistas e outros ativistas a quem ela quer dar visibilidade e voz. A voz de uma jovem adolescente temida por adultos inconsequentes que procuram atacar e insultar o mensageiro, em vez de mudar o paradigma mundial. A voz de uma "Pirralha", que não mata, mas mói quem se opõe a ela e aos milhões de jovens que querem preservar o seu futuro. 

 

A "Pirralha" que nos está a forçar a encarar a necessidade de mudar os nossos hábitos compra de bens de consumo descartáveis e desprovidos de valor de uso, assim como os sistemas de produção em massa e de exploração desenfreada dos recursos naturais, que estão a colocar em risco os ecossistemas, ao mesmo tempo que nos estão a conduzir para um cataclismo ecológico, extinguindo milhões de espécies e destruindo as condições de vida de milhões de pessoas. Tanto por causa dos impactos ambientais, como por enfrentarem a destruição e exploração com o custo das próprias vidas.

 

Não! Recolher o plástico não chega. É preciso produzir menos plástico, utilizar menos combustível fóssil, queimar menos carvão, redefinir os nossos hábitos de alimentação, regular as indústrias e a energia, os meios de exploração de recursos naturais e o impacto dessa exploração na natureza, nas comunidades locais e no planeta. Por isso, é também necessário que haja uma distribuição de rendimentos mais justa, um investimento focado na sustentabilidade local e uma maior inclusão das pessoas, dos cientistas e dos agentes da práxis nesse processo de mudança. Porque a esperança do futuro não está nos governos e nas corporações, mas sim "no povo", como Greta Thunberg disse, na COP25, em Madrid.