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Vetores da Inutilidade

Poesia, Atualidade, Crítica, Opinião, Artes e Cultura. Um blog por João M. Pereirinha

Vetores da Inutilidade

Poesia, Atualidade, Crítica, Opinião, Artes e Cultura. Um blog por João M. Pereirinha

A intensidade de viver no interior

© João M. Pereirinha 2017

A ideia bucólica de que no interior ou no campo existe uma harmonia pacífica e expropriada de conflitos, é uma autêntica falácia e mentira. Pelo contrário, não há local onde os conflitos escalem tão facilmente e tomem proporções desmesuradas. Além disso, devido à toponímia, ao isolamento, às condições socio-geográficas em geral, não raramente os conflitos se tornam vitalícios e até hereditários. Ao contrário do que a fantasia romancista sempre idealizou, ir ao pão no centro de uma aldeia ou pequena vila, é uma experiência por norma muito mais exigente do que atravessar uma grande metrópole. Mais que não seja porque a esmagadora maioria das pessoas se conhece, ao passo que as cidades estão pejadas de solidão e distância. Mas nada é bom ou mau por inércia. A solidão também pode proporcionar uma determinada liberdade, impossível de alcançar num pequeno meio, cujas emoções (não confundir com os afectos) empolam muitas vezes os estigmas, os problemas, os conflitos e até os preconceitos, em prol de uma falsa unidade que nos impede de perspectivar.


Lembrei-me disto, à parte de todos os conflitos pessoais, a respeito de um suicídio e de um homicídio, ocorridos em Vila Viçosa e em Borba, respectivamente, nos últimos 4 dias, durante a Páscoa. Desde que voltei a morar no interior que ando perplexo pelo número de mortes que ocorrem semanalmente, sobretudo de "causas naturais". Mas fico ainda mais perplexo quando alguém decide tomar a própria vida ou a de outrem.


De repente, estou a almoçar e ligo a tv e alguém está discorrer sobre o homicídio que acabei de referir. Onde o alegado homicida foi encontrado a cortar as pernas do patrão, que matou com uma broca, depois de já ter tentado fugir e decidido voltar atrás para esconder o corpo. Entretanto o homem terá alegadamente confessado que o crime surgiu de uma discussão sobre o pagamento em falta de todos os seus ordenados, pois desde que trabalhava para aquele homem não tinha recebido um único centavo, além de dormida e alimentação. A ser verdade, estamos perante uma situação em que: quando um escravo mata o dono, trata-se de um homicídio na mesma. Quando destituímos a vida dos outros de qualquer valor, é normal que coisas assim aconteçam... independentemente da intenção.


A última coisa que importa é saber que um é italiano e outro marroquino, mas infelizmente a notícia principal tem sido essa. Talvez porque assim seja mais fácil distanciarmo-nos da vida dos outros, ao mesmo tempo que choramos pelas dores das celebridades mimadas de conforto e fama.