A INDEPENDÊNCIA DA CATALUNHA É LEGÍTIMA?
Muitas vozes e argumentos têm atacado a legitimidade do movimento separatista catalão, apontando um conjunto de irregularidades. Então, vamos admitir que têm razão e partir do pressuposto que sim, que o movimento separatista catalão e do nacionalismo liberal paneuropeu da Catalunha não passam de uma jogada de marketing, oriunda da derrota na Guerra Hispano-Americana, onde Espanha perdeu as Filipinas, Cuba e Porto Rico, e do radicalismo da Geração de 98. Vamos até admitir que sim, que existe inclusive algum sentimento de segregação ou discriminação entre os catalães e os espanholistas que vivem na região. Vamos admitir isso sem questionar a ilegalidade das ações dos dirigentes políticos que tentaram implementar a separação. Agora, depois de todos os pressupostos, uma questão, de onde vem o combustível que inflamou as ruas e dilatou o sentimento independentementista?
Nas últimas duas décadas os sucessivos governos espanhóis tiveram várias oportunidades para negociar e criar uma solução com base no diálogo, face às exigências dos diversos governos regionais. Em vez disso, decidiram refugiar-se no vazio legal e no constrangimento da constituição: não houve cedências, não houve revisão constitucional, declarou-se o referendo ilegal, as manifestações foram e continuam a ser contidas com repressão policial. Resolveram encerrar o diálogo com uma machadada no governo regional. Por outro lado, os tribunais (onde não se admite qualquer língua regional) aplicaram a lei e condenaram os envolvidos. É assim que se faz um herói: tornando-o num mártir da causa.
Quando um governo ou um Estado negam às populações a sua identidade cultural, a sua representação política e a sua liberdade de manifestação, a luta pela autodeterminação passa a tornar-se no tema central de qualquer formação ou movimento civil ou político. À margem da sua legalidade ou competência.
Era isto que estava em causa, por exemplo, quando em 1999 se fez um referendo sobre a independência de Timor-Leste, ao qual a Indonésia respondeu com violência, conduzindo à intervenção da ONU, pela qual Portugal lutou ativamente. Algo radicalmente diferente daquilo que aconteceu no referendo sobre a independência da Escócia, em 2014, quando surgiu de Londres a solução pacífica.
A história mostra-nos que a repressão ou a "mão de ferro" raramente ou nunca tiveram resultados positivos para nenhum dos envolvidos. Ao mesmo tempo, quando esgotadas todas as vias diplomáticas, o confronto, o clima de guerrilha ou a guerra em si substituem qualquer possibilidade de serenidade ou diálogo. A ausência disso é o que legítima as atrocidades e o ódio.
Isto não significa que alguém tenha ou não que ser a favor ou contra a saída ou permanência da região da Catalunha na Espanha unificada e indivisível. Mas, defender a possibilidade de autodeterminação, independência e desenvolvimento dos povos, como prevista no art. 7° da Constituição Portuguesa, passa intransigentemente pela defesa da liberdade de escolha individual e colectiva. Independentemente de concordarmos ou não com essa decisão.