Saltar para: Post [1], Pesquisa e Arquivos [2]

Vetores da Inutilidade

Poesia, Atualidade, Crítica, Opinião, Artes e Cultura. Um blog por João M. Pereirinha

Vetores da Inutilidade

Poesia, Atualidade, Crítica, Opinião, Artes e Cultura. Um blog por João M. Pereirinha

A Dependência Universal

IMG_20190616_135949-01 (2).jpeg

No dia mundial do café, quantos já bebeu? Um, dois, três ou quatro? Ou mais? Poucas bebidas podem gozar do estatuto e fascínio que o café conseguiu impor no quotidiano mundial, chegando a ser a segunda bebida mais consumida do mundo, apenas ultrapassada pelo chá. “Ir ao café”, “estar no café”, “beber um café”, é também uma instituição da identidade portuguesa. Por isso, este artigo procura debruçar-se sobre as histórias, os locais e algumas expressões que partilhamos e a que tanto recorremos. Em torno de uma bebida cuja história é envolta em mistérios, lendas, citações, filosofias, e percalços do dia-a-dia.


Seja curto, cheio, em saco ou expresso, de cápsula, com ou sem açúcar, pingado ou com cheirinho, com chávena escaldada, mais Arábica ou Robusto, numa mesa cheia ou num momento só, no trabalho ou numa pausa, poucos lhe ficam indiferente. Como supostamente terá dito T.S. Eliot, "eu medi minha vida em colheres de café".

História e Estórias

Conta a lenda que os bagos de café terão sido inicialmente descobertos por um pastor da Abissínia, que ao ver o efeito estimulante que causava nas cabras de Kaldi, resolveu experimentar alguns e mostra-los posteriormente a um abade. Este último achou que os bagos vermelhos eram uma coisa do demónio e resolveu queimá-los. Da torra, que produziu um aroma agradável, acabacou por surgir essa espécie de essência divina que conhecemos até hoje. Mas as estórias, ao longo da história, são muitas.

Se na Etiópia as tribos nómadas ingeriam bagos com gordura animal, como pequenos bolos, os árabes faziam especulação ao ferver os grãos em água, deixando-os assentar para obter uma agradável bebida cuja receita, mantida em segredo, se tornou “a alma do negócio”. Mas rapidamente, com o evoluir das viagens, chegou à Turquia e depois a Roma, e em 1699 até já os ingleses bebiam café. No entanto, o domínio árabe sob o monopólio das sementes, cujos porvos controlavam a produção mundial, só foi desfeito graças à ousadia de um holandês, que contrabandeou algumas sementes de Java para a Indonésia. Posteriormente, a França também as levou para Martinica, e por fim Portugal, num curto espaço de tempo, fez do Brasil uma das maiores potências mundiais de produção de café. Aí começou o marketing de guerrilha na competição entre grãos.

Se em Inglaterra o consumo de café dispara derivado dos impostos sobre o chá, em Portugal o café a Brasileira oferecia produtos na compra do produto, para provar aos clientes, habituados ao paladar africano, que a bebida do Brasil era tão ou mais sedutora que a concorrente. Esta mesma casa, acabaria por batizar a expressão “BICA”, ao afixar um placard informando os clientes “Beba Isto Com Açúcar”, cujo acrónimo passou posteriormente a ser bordado nos panos que acompanhavam o copo, indicando simplesmente “B.I.C.A.”.

Esses locais onde se saboreava a bebida, viraram locais de culto, tertúlias e encontros, até aos nossos dias, ou seja, "local de entrevistas e conspirações, de debates intelectuais e de mexericos", segundo George Steiner, n'A Ideia de Europa'.

Rituais, culturas e variedades

Está vincada na cultura ocidental, e Portugal é um exemplo disso mesmo, esta forma de estar e ritualística, de beber um café. De manhã, para acordar, após as refeições ou à noite, enfim, as hipóteses são múltiplas e variadas. Até para escrever um artigo sobre o café, onde o redator já vai no quarto do dia.

Uns preferem-no curto, outros pedem-no cheio, há quem prefira café passado (já tentou encontrar um expresso no Brasil?), e outros não abdicam do “cheirinho” (de bagaço, cachaça ou uísque). Há quem lhe meta açúcar e quem prefira o adoçante, mas os apreciadores genuínos, dizem, não lhe misturam nada. Contudo, não faltam colecionadores de pacotes de açúcar, ou de chícaras. Já agora, com uma média de três cafés diários, sabe a quantos quilos de açúcar por ano isso equivale? Cerca de sete quilos e meio. O que, segundo os médicos, pode ser, esse sim, muito prejudicial à saúde, por ser um açúcar de rápida absorção.

Mesmo com a expansão das cápsulas, que podemos ter em casa, nem a rotina de ir a um café como segunda casa parece ter esmorecido (e veja-se a falta que sentimos dela durante a Pandemia), e muito menos podemos colocar em causa a “arte” de manipular o café. Dentro das variedades destas sementes, as Arábia e Robusta são as mais marcantes do mercado mundial. A primeira, mais difundida, apreciada e aromática, possui grãos alongados, baixo teor em cafeína e pouco corpo, além de representar a esmagadora maioria da produção mundial. Já a Robusta, designa-se por ter um grão arredondado e pequeno, sendo mais amarga e forte, com um alto teor em cafeína, menos aromática e não é consumida em estado puro, ao contrário da Arábica. Contudo, a maioria do café resulta da manipulação de uma mistura cuidada ao tom do nosso paladar da quantidade adequada entre as duas.

 

Independentemente do gosto ou da mistura que cada um prefere, como diria David Lynch, "até um café ruim é melhor que café nenhum".

 

Adaptado do artigo "Café", originalmente publicado em "TribunaAlentejo.pt", a 14/04/2015, por João M. Pereirinha.