Saltar para: Post [1], Pesquisa e Arquivos [2]

Vetores da Inutilidade

Poesia, Atualidade, Crítica, Opinião, Artes e Cultura. Um blog por João M. Pereirinha

Vetores da Inutilidade

Poesia, Atualidade, Crítica, Opinião, Artes e Cultura. Um blog por João M. Pereirinha

A AMÉRICA LATINA ESTÁ A DAR LIÇÕES DE DEMOCRACIA AO MUNDO

IMG_20191027_235910.jpg

A onda da extrema-direita ultraliberal que surgiu recentemente por toda a América, está a ser afogada por um tsunami democrático. Alberto Fernández ganhou as eleições na Argentina, com 48% dos votos, derrotando o atual presidente, Maurício Macri, alinhado às políticas desastrosas utilizadas no Chile, aliado político e exemplo económico de Bolsonaro, que ficou com 40,5%. Na Argentina, se um dos candidatos tiver mais de 40% dos votos com uma vantagem superior a 5%, não há segundo turno. Por isso, espero que Macri saiba admitir a derrota eleitoral. Ao contrário do que Carlos Mesa está a fazer na Bolívia, mobilizando vários protestos ao não aceitar a derreta na primeira volta (onde é necessária uma vantagem de 10%), criando assim uma narrativa de fraude desmentida pelo Tribunal Superior Eleitoral da Bolívia na passada sexta-feira, dia 25 de outubro, cuja apuração de resultados dá 47,08% para Evo Morales e 36,51% para o seu adversário. Contudo, Evo Morales prometeu um segundo turno se houver indícios de fraude na contagem oficial.

 

É muito importante que se perceba que nada disto está relacionado com a defesa de uma bandeira que não seja a liberdade democrática. Onde, para proteger o ato democrático e o valor do voto, bem como o papel central que o plebiscito ocupa num Estado de Direito ou em qualquer democracia, aceitar o resultado eleitoral é um princípio fundamental desse processo. Porém, esta atitude de desrespeitar constantemente essa prerrogativa começa a tornar-se numa marca "sui generis" da atual direita ultraconservadora e ultraliberal que julga existir uma "guerra santa" pelo poder, legitimando assim qualquer atrocidade em prol disso. Algo semelhante ao que aconteceu no Brasil em 2014, culminando no golpe de destituição de Dilma – lembro que não há crime sem lei que o defina, nem pode haver destituição sem crime, mas foi isso que aconteceu – conduzindo ao caldo que ajudou a colocar Bolsonaro no poder, tornando a realidade cada vez mais difícil e o futuro totalmente imprevisível.

 

 

Mesmo antes das eleições, Bolsonaro também afirmou que não aceitaria outro resultado que não fosse a sua vitória. Decorrida a eleição, nenhum adversário questionou a legalidade dos votos que o elegeram. Apesar de todas as irregularidades decorridas durante a campanha - um adversário preso em conluio com o juiz que se tornou seu ministro, financiamento ilegal de mensagens na Internet, um atentado contra a sua vida, e a utilização de robôs (através de outros países) para divulgar notícias falsas - ninguém colocou em causa a validade e a contabilidade dos votos depositados em urna, o que seria uma indecência.

 

Indecência é também o que aconteceu no Equador, onde depois dos protestos contra a eliminação do subsídio dos combustíveis (elevando o preço em 123%) os povos indígenas tomaram as ruas, obrigando o governo a recuar na medida. Porém, Lenín Moreno mudou o governo para Guayaquil depois de sair de Quito, mantendo o regime de exceção e reiterando os abusos das forças armadas sobre os protestantes.

 

O povo expressou-se igualmente no Uruguai, este domingo, 27 de outubro de 2019, onde Daniel Martínez, da coligação da Frente Ampla, de esquerda, teve 40,7% dos votos, e o advogado Luis Lacalle Pou, do Partido Nacional, de centro-direita, teve 29,9%. Ambos vão disputar o segundo turno da eleição presidencial a 24 de novembro. Já o candidato de extrema-direita, Guido Manini Ríos, teve apenas 9,6%. Isto, segundo as sondagens à boca da urna. Esperemos que os resultados confirmem esta derrota da política de ódio.

 

Esperemos também que os votos que elegeram Alberto Fernández sejam respeitados; que o povo do Chile nas ruas, com um milhão de pessoas em protesto, seja ouvido e respeitado; que os votos que reelegeram Evo Morales sejam respeitados; que o povo do Equador seja ouvido e respeitado, travando os abusos do seu governo; e que neste aspeto a comunidade internacional seja tão célere a condenar as fraudes e abusos, da mesma forma que o foi a condenar a Venezuela e a aceitar a autoproclamação do seu "presidente em exercício". Aos poucos, a América Latina está a deixar de tolerar os abusos de autoridade e as experiências ultraliberais a que os seus países têm sido submetidos, retirando direitos e garantias civis em prol de interesses pouco claros. Os seus povos estão a emitir recados que não podem nem devem ser silenciados ou ignorados, seja por despeito ideológico ou por qualquer tido de presunção de inferioridade. Pelo contrário, ninguém tem lições de moral a dar ao povo sul-americano, mas eles estão a dar aulas de Democracia.