O valor de mercado da Cultura
A cultura tem valor de mercado! Caso contrário andaríamos nus, a Apple não teria passado da invenção do rato, os conversíveis não passariam de uma ideia estúpida, os prédios seriam todos iguais e os engenheiros umas crianças de encaixar legos, porque a arquitetura não existiria, e a Europa em si também não, Madrid, Barcelona, Roma, Paris, Berlim, Londres, até Moscovo, não passariam de referências históricas, se alguma vez o tivessem sido. Se a Cultura não tivesse valor de mercado o mercado em si não existiria. O primeiro ativo do mercado, pós vassalagem senhorial, no mundo ocidental, foi a Cultura. Hoje poucos, principalmente nos países mais incultos, onde menos contacto se tem com ela (como em Portugal), olham para ela como uma perspetiva de investimento. É infeliz, porque sem a Cultura, nem vinho beberíamos, e o vinho é uma coisa ancestral, mas não tanto como a língua, a pintura, a imagem, a escultura e a arquitetura, juntamente com o teatro e as danças.
Os refrigerantes que consumimos hoje são fruto da Cultura, e alguns tornaram-se em multinacionais valiosíssimas no mercado e com milhões de funcionários no mundo inteiro. Porquê? Ora, porque todos vimos televisão, herdeira da linguagem cinematográfica, afeta à fotografia, mestre da arte de contágio do áudio e dos ritmos musicais através das dinâmicas da linguagem. Pois, embora se olhe para a televisão como um meio de entretenimento onde se pensa que os conteúdos têm de ser de oferta redutora, pobre, mal trabalhada e estandardizada, os módulos de entretenimento só funcionam quando o áudio é percetível, porque temos tendência a fazer diversas coisas enquanto ouvimos televisão, e ouvimos mais do que vemos. Por outro lado, apesar de a indústria de canal aberto estar cada vez mais a investir, pelo menos em maioria, em conteúdos de entretenimento, na sua soma, no mundo inteiro, nada consegue ter mais audiências do que, imagine-se, as séries de televisão. Onde há, por espanto, com maior e menor qualidade, atores, realizadores, fotógrafos, escritores, cenógrafos, enfim, Cultura e Arte. Uma indústria que se autossustenta e que, quando não o faz por si mesma, é alvo de investimento com retorno por parte de patrocinadores mundiais, que vêm as suas receitas inflacionadas, ou seja, valor económico.
Mas, diretamente, a Cultura tem valor? Tem, a única chatice é que é incalculável. Mas resistente e persistente por milénios. Além de alimentar a coesão de Estados e Governos. Pois bem, desinvestir na Cultura, e pior, na Educação para a Cultura, incluindo as Artes, é a atitude mais nociva em qualquer administração. A unificação de qualquer país só se faz através da partilha de Identidade, que se constrói através desse investimento cultural e artístico, mas também pela resistência à aculturação. Sem isso, não deixam alternativa a ninguém se não a desagregação, desmotivação e alineação. A Cultura tem valor porque o número de espectadores de todas as peças de teatro e o valor dos seus bilhetes juntamente com as horas investidas na fruição desses espetáculos é superior à soma de qualquer outra atividade praticada fora do âmbito cultural desde a existência da humanidade. Talvez só o sono o supere, mas os sonhos são um poço sem fundo de mundos imaginários, concebíveis apenas na Arte. Se somarmos a isso os livros e horas de leitura, os filmes, as visitas aos museus, as pesquisas de internet incidentes em conteúdos culturais, as horas de conversa no café, e o café consumido enquanto se lê, se escreve, se joga, brinca e vê um filme, não há ramo com mais garantias de retorno do que a cultura.
Tirem-nos isso e simplesmente, nada mais nos têm para oferecer. Sem a Cultura nem haveria mercado livre. Porque foi a Cultura que o libertou, e nos tem libertado através dos séculos.
14 de Outubro, 2013
João M. Pereirinha