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Vetores da Inutilidade

Poesia, Atualidade, Crítica, Opinião, Artes e Cultura. Um blog por João M. Pereirinha

Vetores da Inutilidade

Poesia, Atualidade, Crítica, Opinião, Artes e Cultura. Um blog por João M. Pereirinha

Racismo

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Oh, Portugal

Terra sem igual,

Onde se tornou banal

Expulsar o desigual.

É o racismo estrutural.

 

É o ódio repetido

De geração em geração

Até à exaustão.

É sempre o mesmo atingido,

Até cair no chão.

É o reflexo da escravidão.

 

Racismo? Aqui não!

Dizem os senhores doutores, 

Donos da opinião,

Que nunca sentiram as dores

Da bala no coração.

É a segregação feita por cores.

 

Oh, Portugal,

Que jogas no escuro,

De forma tão frugal, 

Os mesmos corpos negros

A quem negas o futuro,

Em nome de valores íntegros.

É o ufanismo puro.

 

Oh, Portugal,

Um país tão seguro,

Onde reina tanto mal,

Que usa sempre a desculpa

De punir o corpo impuro

Pra matar quem não tem culpa:

É o machismo, o racismo,

A homofobia e o fascismo

Desses filhos da puta!

 

Mas também é a cegueira

De quem tapa o sol com a peneira

E não vê a merda à sua beira, 

Ou quer tudo da mesma maneira.

Que ardam todos na fogueira!

 

— João M. Pereirinha, 26/07/2020.

Consensos, unanimidade e popularidade

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Nunca serei uma pessoa consensual. Para mim, as pessoas e os nomes consensuais têm uma certa artificialidade, uma determinada falsidade à qual tenho aversão. Talvez só diga isto por não ser nem nunca poder almejar ser uma. Serei sempre uma minoria e estarei, muito provavelmente, sempre ao lado das minorias, por quem sinto apego, sem condescendência. Interessa-me muito mais a urgência de mudar o mundo do que recolher a simpatia e a aprovação de todos. Porém, sinto dificuldades em exigir a atenção dos outros. Não gosto de incomodar ninguém, não peço favores a ninguém, certo também de que não os teria, não solicito conselhos ou opiniões a não ser a quem já sei estar disposto a discuti-los comigo, ainda assim, evito pedir atenção indevida, apesar de não me coibir de a dar ou prestar sempre que solicitado.

Claro que é reconfortante ter o apreço e aprovação ou aceitação de outros, sobretudo daqueles que estimamos ou consideramos nossos pares. Contudo, quando essa apreciação vem condicionada a uma mudança ou adaptação ao senso comum homogêneo e, portanto, falso, então também ela não pode ser verdadeira, de todo. A pior desonestidade é aquela que cometemos connosco.

Todavia, isso não significa que a inflexibilidade seja a mais honesta das respostas, sobretudo perante a vertigem do erro reiterado, não, muito pelo contrário. A razão crítica, fundamentada entre a consciência e o saber ou a reflexão, é o exercício mais próximo possível do bom senso, e deve ser o guia da verdade. Da honestidade, que permite também mudanças de posições e descoberta de novos pontos de vista.

Normalmente, o consenso é inimigo do complexo e a superficialidade é quase sempre avessa à reflexão. Serei sempre uma pessoa pouco dada a consensos superficiais, populares e unânimes, embora preze pela simplicidade de muitas coisas, mas não necessariamente por ser simples, sem sentido ou vazio de significados. Sem romantizar a solidão, é no desconhecido e impopular que muitas vezes encontro ecos. Os ecos dos oprimidos e por vezes da razão.

A Bolsonaro só lhe resta morrer

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A Bolsonaro só lhe resta morrer, para se tornar relevante. Com a delicadeza de um elefante, anunciou que se contaminou com coronavírus e se medicou com cloroquina. Com a deselegância de um porco, tirou a máscara em frente aos jornalistas para dizer que está "bem, tranquilo, graças a deus" e que o vírus, à imagem daquilo que já tinha dito no início da pandemia, não passa de uma "chuva". Ou seja, nada grave, apesar de já terem morrido mais de 65 mil brasileiros de Covid-19.

Não obstante esta situação parecer uma estratégia de propaganda — após ter feito de tudo para desprezar a pandemia, transformando o país num epicentro mundial, sem ministro da saúde, após a demissão de dois, tendo tentado mudar a bula da cloroquina ou forçado médicos a administrá-la, sem esquecer que fez de tudo para esconder os primeiros exames enquanto ia a manifestações e incentivava a desobediência ao isolamento, impingindo dificuldades no acesso aos recursos de auxílio social — ainda assim, há quem se ojerize com o desprezo que a maioria das pessoas sentiu (e sente) pela sua vida, comparando os desejos (ou súplicas) de que Bolsonaro sucumba ao vírus que tanto despreza, a quem apoia o seu desprezo pela vida de milhares de pessoas que estão a morrer contaminadas ou sem atendimento.

Considerar isso é como se houvesse uma equivalência moral e ética entre fascistas ou nazis e aqueles que os querem ver mortos. Não há. Porém, isto mostra a Bolsonaro que só lhe resta morrer para se tornar relevante, sobretudo para aqueles que entre qualquer alternativa que coloque em causa os planos de desigualdade e discriminação neoliberais em curso no país, ou o fascismo vigente, preferem manter tudo como está. Pois só como está é que é possível ir forçando a privatização de serviços essenciais — como o saneamento básico e a água, com o patrocínio das empresas de bebidas alcoólicas e marcas de refrigerantes, e o apoio até do centro-esquerda — ou o desmatamento da Amazônia, em prol da agropecuária, a privatização de empresas estatais (sobretudo ligadas às commodities ou serviços de saúde e educação) ou então a flexibilidade de atividades económicas durante a pandemia, desobrigando medidas de segurança, sem proteção laboral e salvaguardando apenas os lucros dos bancos e das grandes empresas.

Por isso, mesmo afirmando ser contra ele, ou regozijando com a detenção e investigação de elementos próximos, através do cerco judicial que se montou em torno do clã bolsonarista, muitos, ainda assim, defendem tanto a sua vida (assim como as suas políticas e visão económica), que chegam ao ponto de equiparar o antifascismo e o antiautoritarismo, que visam combatê-lo, à sua violência, que se abate sobre toda a população. Como escreveu Lampedusa, para os liberais “algo deve mudar para que tudo continue como está”.

Como está é o que tem conduzido à ascenção dos fascistas e ao extermínio de pobres, negros, mulheres, gays, trans, índios e favelados, ou à miséria e morte de todos os que perderam o emprego ou arriscam morrer para o proteger. Como está é o que tem permitido mais de um milhão de infectados e 65 mil mortos (ou até seis vezes mais). Humanizar o fascismo, que é desumano, só contribui para legitimar o fascismo. Se morresse, Bolsonaro não seria mártir de coisa nenhuma, mas apenas vítima da sua própria política. A mesma que, quase de certeza, fará de tudo para continuar a prescrever a morte de muitos outros. De ofício. Por isso, a sua morte (literal ou política) seria a única coisa capaz de o tornar relevante, por ser desprezível.