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Vetores da Inutilidade

Poesia, Atualidade, Crítica, Opinião, Artes e Cultura. Um blog por João M. Pereirinha

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Será que o Brasil já “acabou, porra”!?

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O problema no Brasil é que há tantos problemas, a concorrer entre si, que se esqueceu o problema mais urgente: estamos a viver a pior pandemia dos últimos 100 anos, com o segundo maior número de casos e o maior número de mortes diárias no mundo, apesar da subnotificação. O problema é que o Brasil tem um presidente que além de negar a gravidade do coronavírus e as consequências da Covid-19, também nega todos os princípios cívicos e democráticos. Um presidente para quem a democracia já “acabou, porra!”, ou está prestes a acabar, “não é mais uma opinião de 'se', mas de quando”, segundo o filho. O que justificaria “uma medida enérgica”, contra os outros poderes.

 

Estas afirmações surgiram no seguimento das operações da Polícia Federal (PF), de busca e apreensão em casa de empresários, aliados e políticos ligados ao governo, autorizadas pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no âmbito de um inquérito que investiga produção de notícias falsas e ameaças contra os juízes. Entre os visados, estão nomes como o empresário Luciano Hang, dono da franquia de lojas “Havan”, os youtubers Allan dos Santos e Winston Lima, e ainda Sara Winter, que lidera um grupo paramilitar acampado em Brasília, “Os 300 do Brasil”, que defende a “ucranização” do país (leia-se, a criação de grupos paramilitares neonazis) e que após as buscas na sua casa publicou vídeos ameaçando agredir e perseguir o juiz do STF que autorizou a operação, incluindo a sua família e funcionários. Ninguém foi preso.

 

Em menos de 24h, a polícia passou de bestial a besta, aos olhos do governo. Isto numa semana que começou com uma operação da PF que visou o governador do Rio de Janeiro, investigando suspeitas de corrupção na compra de equipamento médico. Uma operação festejada pelo governo e que decorreu um dia após Carla Zambeli – a deputada que tentou vender uma vaga no STF a Sérgio Moro, em troca da superintendência da PF no Rio de Janeiro, que Bolsonaro queria alterar – revelar saber que vários governadores são alvo de investigações por parte da PF, corroborando e justificando as falas dos ministros que pediram a prisão destes, por terem decretado o isolamento social. Ou seja, está aberta uma disputa pelo controlo das armas, entre o Executivo e o Judiciário. Um braço de ferro.

 

Claro que, do lado do governo e dos bolsonaristas, essa disputa vem acompanhada de uma narrativa de “ultrapolítica”, que incorpora todas as teorias da conspiração (e distorções ideológicas) sobre a ameaça constante do comunismo, numa “guerra cultural” onde até a imprensa internacional “é de esquerda”. Uma luta contra um inimigo imaginário, que recupera parte da retórica da Ditadura Militar, com um teor totalmente fascista, tendo como eixos o ódio e o medo, a par de todas as muletas típicas da extrema-direita um pouco por todo o mundo, inclusive em Portugal, do “marxismo cultural” à “ideologia de género”, passando pelo preconceito e o moralismo da guerra do “nós” contra “eles”. Onde vale tudo para defender os “valores” de um “mito da pátria”, racista, chauvinista e antidemocrático.

 

O problema é que, ao mesmo tempo que este folclore decorre nos corredores de Brasília, as vítimas pela Covid-19 não param de aumentar. Porém, apesar dos números serem bastante inferiores aos reais, alguns governadores começam a ceder à pressão e a flexibilizar o isolamento, tendo como principal indicador apenas o número de mortes. O Brasil está mergulhado num caos sanitário, social e político, com o único propósito de ir “passando a boiada”, favorecendo a elite que endossa o poder, indiferente à dor dos miseráveis.

 

Diz-se que “enquanto o pau vai e vem, folgam as costas”, mas enquanto não tiram o azorrague das mãos do capataz, as costas sangram, com as veias abertas de um país cada vez mais isolado, desigual e desamparado, onde a população vive agrilhoada à morte.