Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

Vetores da Inutilidade

Poesia, Atualidade, Crítica, Opinião, Artes e Cultura. Um blog por João M. Pereirinha

Vetores da Inutilidade

Poesia, Atualidade, Crítica, Opinião, Artes e Cultura. Um blog por João M. Pereirinha

Lembrar Auschwitz para salvar a humanidade

Imagem da entrada do campo de extermínio de Birkenau, na Polónia -  ULLSTEIN BILD DTL.

Auschwitz é mais do que a memória de um edifício abandonado. É um marco do limite a que o extremismo pode chegar, legitimado por uma ideologia de extermínio e de ódio racial, étnico e político. O Holocausto era um plano que visava o extermínio deliberado de pessoas e a sucessiva erradicação da sua existência e das provas da sua existência. Foi o punitivismo levado ao extremo, sem contraditório, nem defesa ou apelação dos condenados.

 

Mais do que assinalar os 75 anos da libertação de Auschwitz pelo Exército Vermelho (da União Soviética), os dias de hoje exigem de nós um reavivar da memória dessa tragédia humanitária, política e social. Exigem de nós uma reflexão e compreensão das contradições do passado que permitiram tal banalização e a persistência da maldade no seio e na base de uma sociedade de segregação, cujo bem estar de uns dependia da erradicação, expropriação, trabalho forçado e sucessiva morte de outros.

 

É necessário também lembrar e ter presente que se o Holocausto foi tão devastador e horrível, foi não só pela naturalização de abusos dentro da sociedade; como pela sua justificação, reiterada através da política e da acomodação e conciliação social, económica, legal e ética; assim como pela mecanização da estratégia, onde os "outros", aqueles cuja existência era a "causa do mal", eram reduzidos à mais baixa forma de existência - à imagem daquilo que a escravidão fez com os negros - despojada de identidade, vontade e direitos, até à morte e depois dela. Em vários campos de extermínio, depois de mortos, os corpos eram desmontados, queimados uma vez, onde os ossos sobrantes ainda fomegantes eram batidos por outros presos, até não restarem se não cinzas e pó, soterradas pelos próximos a morrer. Este é o limite do ódio.

 

Ódio esse cuja retórica parece subsistir, ressurgir e reinventar-se. Seja através de purgas ideológicas, seja por meio do racismo, xenofobia, misoginia e homofobia, que hoje se têm banalizado, à margem do combate contra o anti-semitismo. Hoje, o bode expiatório pode ser outro, mas a forma, estética e retórica de exclusão e populismo inerentes à ideologia do mal continuam vivos e latentes - cada vez mais escancarados - em diversos movimentos, partidos e políticos da nossa sociedade contemporânea.

 

Conhecimento, por si só, sem aplicação, não faz nada. Porém, ele é o ponto de partida necessário e imprescindível para podermos compreender e agir sobre a realidade que nos rodeia, antecipando os erros do passado e corrigindo as trajetórias do retrocesso, que nos condicionam e direccionam para a barbaridade e para a vulgarização do ódio e das novas propagandas de exclusão. O conhecimento do passado é essencial para evitar o fracasso do presente e salvar o futuro.

A onda populista da intolerância

28 Congresso CDS

O CDS segue a lógica mundial da direita, numa clivagem à extrema-direita, populista, conservadora, na maioria dos casos preconceituosa e em muitos deles autoritária. Porém, a diferença entre este e o Chega não é um imitar o outro, pois muitas das ideias e estratégias usadas hoje pelo partido de André Ventura já no passado tinham sido usadas por vários membros do CDS, embora de forma mais ou menos envergonhada ou até contida pelas direcções, sobretudo no poder. A única pequena e verdadeira diferença entre os dois vai ser o facto do CDS não se poder apresentar como um partido anti-sistema ou fora do sistema (que já foi no passado) sem renegar todas as lideranças pregressas.

 

Ainda assim, sendo até então um partido que congregava diversas correntes ideológicas e visões de mundo muitas vezes conflitantes, a partir de hoje morreu qualquer hipótese de defesa de um ideal democrata-cristão, que tenha por base a igualdade individual e a solidariedade social.

 

O discurso de vitória de Francisco Rodrigues dos Santos foi marcado por uma afirmação clara de ideias reaccionárias, contra a Constituição, homofóbicas, misóginas (patentes na ausência de mulheres na direção) e xenofobas. Não sei quem perderá terreno nesse espaço, se o Chega de Ventura, se o CDS de Chicão, mas desconfio que muito mais é o que os une, do que aquilo que os separa, sobretudo agora, depois de uma organização moderada do aliado natural, o PSD. Quem verdadeiramente vai perder é a democracia e a possibilidade de diálogo moderado dentro da sociedade portuguesa, onde a retórica populista e a visão de sociedade excludente parece estar a instalar-se paulatinamente nas brechas das desigualdades, da precariedade social e do preconceito. 

 

Algo para o qual muito têm contribuído os apoios, financeiros e mediáticos, que ambas as figuras e narrativas conseguem reunir em torno de si, desde grupos de comunicação social, a empresários com interesses difusos, nacional ou internacionalmente.

 

Os democratas, incluindo aqueles que defendem o modelo atual de democracia liberal, mas também os sociais-democratas e os socialistas, estão a ser cercados por todos os lados, por uma onda de intolerância e populismo que não pode ser ignorada, sob pena de nos afogarmos na demagogia retórica que anseia por repetir os erros do passado. Esperemos que depois da tragédia que nos conduziu ao Holocausto, cuja libertação de Auschwitz se assinala hoje, estejamos, de facto, perante uma simples farsa.