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Vetores da Inutilidade

Poesia, Atualidade, Crítica, Opinião, Artes e Cultura. Um blog por João M. Pereirinha

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SAIAS HÁ MUITAS, SEU PALERMA!

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Muito se tem debatido sobre liberdades, costumes, perspectiva e semiótica. Enquanto em Portugal ainda se discute a saia de um assessor (já lá vão quase 10 dias) - entre argumentos bastante vulgares e pouco pertinentes - e sobre a sua legitimidade (como se pudesse esta ser colocada em causa) em utilizar determinada indumentária consoante o espaço público, como a Assembleia da República, no Brasil, Bolsonaro recusa cumprimentar o presidente eleito da Argentina, que usa bigode e calças e cujo filho faz sucesso como drag, por ser de esquerda e dizer que Lula é um preso político, mas confessa que tem muita afinidade com o príncipe da Arábia Saudita, Mohammed bin Salman, um homem que usa saia (túnica), suspeito de ordenar o assassinato do jornalista Jamal Khashoggi. Depois disso, surgiu também a hipótese de Bolsonaro estar envolvido com os assassinos de Mariele Franco, através do depoimento do porteiro do seu condomínio, considerado falso pelas promotoras. Uma delas usa calças e apoiou Bolsonaro.

 

Contudo, esta moda das saias, não é sequer nova. Ela está nas passarelles da alta-costura masculina desde a década de 1980 e à medida que chega aos guarda-roupas dos homens, tem enfatizado a discussão sobre a relação da moda com o género, porque nem sempre os códigos de indumentária foram os mesmos que hoje. Algo de que encontramos ecos na Grécia Antiga e no Império Romano, na Índia e claro, nos kilts escoceses. Se em França existe até uma associação que defende a adequação anatómica desta peça, não faltam em todo o mundo personalidades (e anónimos) que usem saia de facto, como explica o artigo sobre a história da saia, no Público, "Vamos falar de saias: uma ditadura da moda ou uma arma para rasgar convenções?". Afinal, os primeiros a usar saia foram mesmo os homens. Pois, a identificação de género através da roupa e vice-versa, é uma imposição bastante recente.

 

Mesmo achando que não é assunto essencial à política, apesar de poder ser utilizado como statement, tenho lido muito sobre o argumento "cultural", enfim, um conjunto de barbaridades sem nexo, alegando que isso seria "imposição" suficiente para "barrar" tal atitude na casa da Democracia: primeiro, quem diz que alguém deve autocensurar a roupa em algum ambiente para evitar ser subjugado ou criticado, é o mesmo que defender o violador pelo tamanho da saia da mulher (lá está, o problema é sempre a saia) ou o racista pela cor da pele do outro, até porque quem tinha por hábito separar as pessoas pela roupa eram os nazis; segundo, a gravata que hoje se normalizou nos ambientes formais, não passa de uma apropriação francesa do exército croata (significado da palavra em francês) e era tanto utilizada por homens, como por mulheres. Assim como os saltos altos, inventados pela cavalaria persa para evitar quedas de cavalo e usados por monarcas até há bem pouco tempo.

 

Além disso, não existe proibição alguma no Regimento da Assembleia da República que possa constranger a indumentária dos parlamentares e seus assessores, seja roupa ou acessórios. 

 

Portanto, não tenho nenhuma leitura semiótica ou opinião política sobre a indumentária de Rafael Esteves Martins, assessor parlamentar de Joacine Katar Moreira, do Livre, nem de nenhum dos 230 parlamentares e respetivos assessores que tomaram posse na Assembleia da República. Como ele mesmo disse, as escolhas sobre o que veste são dele, e tem razão. O resto é folclore, ou barulho do mais brejeiro que se pode encontrar em tantas opiniões, vindas de autênticos polícias da moda. Pensava que medir o tamanho das saias com régua era coisa do passado. Afinal não. No futuro, quando for preciso centralizar o debate em torno das ideias que elegeram cada um dos deputados da nação, respetivos partidos e executivo, vai ser difícil ou até mesmo impossível.

 

O espaço público em geral é uma floresta de entretenimento, aberta a qualquer tipo de espectáculo e frivolidades, onde quem domina o discurso costuma miná-lo de preconceitos. Então, enquanto o assunto for o julgamento moral da moda e outros faits divers, derivados de algum estereótipo de classe, só tenho a dizer, como na música: "live and let die", vivam e deixem morrer! Amem, sejam livres e deixem ser.