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Vetores da Inutilidade

Poesia, Atualidade, Crítica, Opinião, Artes e Cultura. Um blog por João M. Pereirinha

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ABRIL, A REVOLUÇÃO E UM CRAVO

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Abril esteve sempre muito presente na minha vida. Cresci e vivi numa rua que deve o nome à emenda constitucional de Abril de 1975. Estudei e formei-me em frente a uma Praça 25 de Abril. Pedi a minha mulher em namoro em Abril e casámos em Abril. Na verdade, sei que devo tudo o que sou a Abril. A Educação, a Saúde, os Serviços Sociais e toda a estrutura a que tive acesso no meu país, no Portugal em que cresci, só foram possíveis graças a Abril. A Revolução dos Cravos deu-nos a Liberdade e a Democracia, a Democracia deu-nos acesso à redistribuição de oportunidades, conhecimento e riqueza.
 
A viver no Brasil, habituei-me a ter que explicar muita coisa, a adotar vários termos e a desistir de outros. Não dá para pedir um “gelado”, se quiser comer um “sorvete”, ou “apanhar o autocarro” se vou “pegar o ônibus”. Mas uma coisa que nunca precisei de explicar foi a Revolução dos Cravos ou a comemoração do 25 de Abril de 1974. A primeira vez que vim ao Brasil fui a uma escola (privada) onde se comemorava a Liberdade com várias exposições organizadas pelos alunos, do ensino médio e fundamental, e lá estava ela, uma pequena homenagem ao 25 de Abril, com uma foto dos militares empunhando cravos, a “Revolução Pacífica” dizia a ilustração. Ao lado uma foto de Mandela.
 
Continua a ser forte a ideia de que “falta cumprir-se Abril”, porque muitos dos ideais da revolução parecem ter sido secundarizados ou terceirizados, ou até mesmo esquecidos. Porém, convém lembrar que muito foi feito. Convém transmitir à minha geração e a todas aquelas que em 45 anos já nasceram em Liberdade, que a “longa noite” de meio século que vivemos foi tenebrosa e o oposto daquilo que vivemos hoje: uma mordaça de opiniões, a perseguição violenta da discórdia, a morte fatídica sem justificação e a erradicação da diferença. Sem a Revolução de Abril, a maioria das pessoas da minha geração e gerações mais novas não teriam acesso ao Ensino Superior, nem sequer ao Ensino Secundário, pois só uma ínfima parte da sociedade o tinha.
 
Além disso, convém que se faça uma explanação não só daquilo que significava a Ditadura em Portugal, como em todos os países que travaram connosco e sofreram connosco, a custo de muitas vidas jovens e esmagadoramente inocentes, a Guerra Colonial. Sem ela também não haveria Abril e sem Abril ela não teria acabado.
 
Convém explicar a todos, sobretudo aos políticos que hoje ocupam cargos de maior visibilidade nacional (e internacional) que tanto o “25 de Abril”, como a “Revolução dos Cravos” e o próprio cravo, são símbolos de Liberdade (física, política e mental) de toda uma nação e sobretudo de um povo e não uma ameaça comunista.
 
Entre muitos desgostos e a saudade de estar longe do meu país, do qual costumo falar com orgulho e como exemplo aqui na América do Sul, demonstrando como o Socialismo Democrático é um ganho civilizacional, a minha maior vergonha recente foi ver a forma galante e cicerónica como Sérgio Moro foi convidado e recebido para palestrar na Faculdade de Direito de Lisboa – casa de muitos dos pais da Democracia Portuguesa e de muitos dos que lutaram com sacrifício pessoal e físico contra a Ditadura e o Estado Novo de Salazar em Portugal – legitimando um dos rostos mais proeminentes de um governo que comemora a Ditadura Militar e o Estado Novo no Brasil, que quer aprovar uma lei que legitima a morte de qualquer suspeito a tiro, que pretende privatizar a previdência e acabar com as garantias do pouco sistema social existente no país. “Nem vou entrar no mérito” de discutir as ligações a milícias, o facto de utilizar o Poder Judicial em prol de uma campanha política ou o fato de quebrar o princípio do "Juiz Natural" ao se autopromover com casos que julgou.
 
Bastava ser alguém que defende princípios contrários à fundação do nosso próprio país, contrários à Liberdade de Abril, para que, no mínimo, houvesse algum pudor por parte das mais altas figuras representativas da República Portuguesa, fundada e refundada por uma Constituição que repudia qualquer tipo de desigualdade ou discriminação e todos os tipos de fascismo.
 
Ao contrário disso, além desse triste teatro de fantoches, continuamos a ter políticos portugueses que rejeitam usar um cravo na lapela, como verdadeiro símbolo do povo que marchou pelas ruas, levando os militares aos ombros, regozijando pelo fim do espartilho da Ditadura. Tirámos o país do Estado Novo, mas não conseguimos ainda tirar o Estado Novo de dentro de algumas pessoas, felizmente a minoria.
 
Contudo, Portugal e o 25 de Abril não deixam de ser um exemplo. Pelo contrário, o facto de continuarmos a celebrar o fim da Ditadura deve ser um exemplo para cada uma das nossas gerações, mas também para o mundo, onde a nuvem escura dos fascismos e da extrema-direita, essas sim, são uma ameaça real e atual. Portanto, faça-se do “25 Abril Sempre!” e do “Fascismo Nunca Mais”, motes mais do que atuais, filosofias de vida e palavras de ordem sempre que confrontados com atrocidades e ou violação de direitos.
 
VIVA A LIBERDADE
VIVA O 25 DE ABRIL
VIVA A REVOLUÇÃO