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Vetores da Inutilidade

Poesia, Atualidade, Crítica, Opinião, Artes e Cultura. Um blog por João M. Pereirinha

Vetores da Inutilidade

Poesia, Atualidade, Crítica, Opinião, Artes e Cultura. Um blog por João M. Pereirinha

DAS PEDRAS DE ÁGUA AO VAZIO

JoãoM.Pereirinha

Quando a 17 de novembro do ano passado terminei de selecionar 18 das 1200 fotografias que captei sobre o retrato dos trabalhos nas pedreiras de Vila Viçosa e Borba, para o projeto “The Void, Mind The Gap”, estava longe de imaginar que precisamente um ano depois, no passado dia 19 de novembro de 2018, acontecesse a fatídica tragédia que se abateu sobre os dois concelhos. Estava longe de imaginar que um dos precipícios sobre os quais me debrucei (inúmeras vezes) para captar imagens, simplesmente desmoronasse, levando consigo a vida de várias pessoas e separando definitivamente as duas localidades, ao engolir os 90 metros daquela estrada que as ligava de forma umbilical.

 

Dor, transtorno e muito pesar. Principalmente pelas vítimas. Porque nada é mais importante que a vida.

 

Tanto naquela altura, como hoje, e já em 2014 quando fotografei o projeto “Pedras de Água”, sobre as cerca de 119 pedreiras existentes nesta nossa região, o foco da minha objetiva e os protagonistas dos meus trabalhos, foram e são as vidas. Quer as vidas daqueles que a dão pelo trabalho árduo que representa encarar todos os dias os abismos destas catedrais invertidas, como as de todos aqueles que dependem e podem vir a depender delas, direta ou indiretamente, como fruto de bens naturais, como a mármore e a água. E hoje, pela vida daqueles que se tornaram vítimas deste incidente, direta ou indiretamente.

 

Juntamente com a restante equipa, fui uma das primeiras pessoas a chegar ao local, logo após nos ter sido enviada a notícia para a redação da Campanário. O perímetro de segurança ainda não estava montado e falava-se de uma possível réplica da primeira derrocada. Os trabalhadores sobreviventes eram levados pelos veículos de emergência, os populares começaram a confluir para o local e entre eles os familiares que procuravam pelos seus, na esperança de evitar a dor de uma confirmação amarga.

 

Para uns o alívio. O alívio de terem escapado “por milagre”, ou por saberem que os seus escaparam com a mesma sorte. Para outros a dor do infortúnio e a inquietação pela ausência de notícias.

 

As notícias. Tínhamos que dar as notícias com urgência. Tínhamos que informar e não sabíamos ainda que informações poderíamos ou não confirmar, exceto uma: uns metros à nossa frente, via-se o abismo aberto; nas redes sociais surgiam vídeos amadores dos presentes junto às crateras. Era indesmentível, a EM 255 desaparecera.

 

Fiquei sem bateria no telemóvel, mas continuei a fotografar com a máquina, a recolher informações de toda a gente, a transmiti-las para quem estava em direto, até voltar para os estúdios da Rádio Campanário, de onde fiz mais algumas ligações para quem estava no local e para o primeiro briefing.

 

Voltei ao arquivo. Lá estão, as imagens daquele muro, daquela ponte de 90 metros, que não chegaram a fazer parte de nenhum dos projetos anteriores. A grua, o elevador, os trabalhadores o espelho de água escuro, a meus pés. Não foi nesse dia. Podia ter sido, afinal.

 

Para já, é cedo, prematuro e difícil dizer mais qualquer coisa além do sentimento de desgosto extensível àqueles que enfrentam a mágoa de saber da perda e desaparecimento dos seus, juntamente com a solidariedade para com todos aqueles que continuam a arriscar a vida nesse local, para restituir dignidade às vítimas desaparecidas e engolidas nessa segunda-feira.

 

Parte do meu trabalho e estudos académicos, debruçaram-se sobre modelos de “desenvolvimento sustentável”, através dos quais redigi a minha tese de mestrado, na área da cultura. Hoje, à imagem da narrativa que desenvolvi em parte destes projetos artísticos e fotográficos, precisamos de repensar e de aplicar modelos capazes de sustentar as nossas vidas, sem que isso signifique necessariamente um abandono daquilo que nos torna e nos tornou ímpares e afortunados noutros tempos.

 

Aqui ficam algumas dessas imagens inéditas, recolhidas há um ano, juntamente com os links para os projetos mencionados:

 

PEDRAS DE ÁGUA, 2014: https://www.behance.net/gallery/34130039/Pedras-de-Agua-Water-Stones

THE VOID, MIND THE GAP: https://www.behance.net/gallery/60602597/The-Void-Mind-the-Gap

Brasil: estamos todos errados!

© David Parkins 

Afinal, o problema é "das elites", isto é, "dos intelectuais" que não sabem nada, ou melhor, dos "governos corruptos" e da "insegurança", e neste caso é obviamente "culpa da roubalheira do PT", como foi o caso dos Democratas nos EUA, além de que costuma ser sempre culpa "das pessoas mais pobres, coitados, que estão desiludidos". É mais fácil prestar um atestado de menoridade, como é o caso do "garoto" de 30 e tal anos que "não sabe o que diz" quando ameaça o STF, do que procurar sempre ver mais além do imediato ou daquilo que outros já repetiram até à exaustão.

 

A culpa é sempre do outro. Nunca é da classe média e alta, branca, formada mas ignorante, da pequena burguesia com acesso à segurança, à saúde e à educação, isolada nas suas convicções. A culpa é sempre de quem procura fundamentar uma opinião, um facto histórico, uma análise social e uma reflexão com mais de duas frases.

 

A ideia de povo é tão grande e subjetiva como a noção de sociedade. Mas é difícil, sobretudo àqueles que se gostam de posicionar de fora, de perceber que há mais do que uma razão, às vezes até contraditórias mas convergentes, para dar uma resposta válida à mesma questão. Até em matemática é assim, da mesma forma que o é no estudo da razão.

 

Aceites e carimbadas as justificações simplistas para o resultado eleitoral no Brasil, só posso concluir que estamos todos errados. Estou eu, estão os sociólogos, está o The Guadian, o Financial Times, o New York Times, o El País, o The Independent, o Le Monde, a BBC, os professores universitários (portugueses e brasileiros) de História, Ciências Sociais, Direito, Ciências Políticas, Estudos Clássicos, de Estudos Contemporâneos, de Filosofia, de Literatura, de Cinema ou de Economia. Estão também errados os professores de Harvard que se manifestaram recentemente. Estão errados o Roger Waters, o Caetano Veloso, o Chico Buarque e todos os que agora circulam por aí numa lista de boicote. Até o relator do próprio processo do Mensalão está errado.

 

Enfim, o mundo em geral está errado. É tudo culpa da "ditadura das minorias", dos "bandidos" e dos "defensores dos direitos humanos", ou das "feministas vadias". Já para não falar do "coitadismo" e do "mi mi mi".

 

A verdade é que não só hoje, mas há uns tempos a esta parte, as pessoas em quem tenho encontrado mais resistência e menos abertura ao diálogo e à mudança ou respeito de opiniões, não são ignorantes nem analfabetos; não são velhos nem tão pouco os mais novos; não são os pobres ou os desempregados e em situações de dificuldade financeira. Nem tão pouco os que mais insegurança têm. Por incrível que isto vos pareça, costumam ser pessoas aparentemente formadas, com empregos assegurados ou uma situação financeira estável, com idade média entre os 30 e os 60 anos, muitas das vezes bastante bem inseridas na sociedade e sem necessidade de grande assistência social.

 

Sim, é preciso combater a corrupção. Sim, é preciso redistribuir riqueza. Sim, é preciso verdade e transparência na democracia. Sim, é preciso também melhorar a educação e o ensino superior. Sim, ninguém é feliz vivendo na miséria ou na insegurança. Óbvio, são verdades de La Palice. Mas também é preciso estarmos atentos à classe média e aos efeitos de Dunning-Kruger a que estamos a assistir (quando alguém pensa dominar um assunto só porque ouviu falar dele) e às retóricas preconceituosas, falaciosas e muitas vezes totalmente mentirosas que se têm instalado neste perfil de sociedade que acabei de descrever. O mesmo, que em todos os capítulos da história, levou ditadores ao colo até ao palanque.

 

Uma coisa todos eles nos deixaram: países e sociedades bastante piores do que aquelas que encontraram, esventradas de dor e pobreza, mas com óptimos dados estatísticos, com zero corrupção, zero criminalidade, zero manifestações, zero oposição. Também é por isso que merecem tolerância e respeito zero.

 

ps: este texto foi escrito e publicado no passado dia 29 de outubro, antes de se saberem muitas das nomeações para os cargos ministeriais do novo governo brasileiro, que no fundo, só corroboram algumas das piores espectativas acerca de um futuro tenebroso que se avizinha para o maior país de língua portuguesa do mundo e uma das maiores nações do planeta. Resta-nos resistir e procurar ter a consciência clara de que perante um possível totalitarismo não existe "isenção", ou se é conivente, ou não.