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Vetores da Inutilidade

Poesia, Atualidade, Crítica, Opinião, Artes e Cultura. Um blog por João M. Pereirinha

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Poesia, Atualidade, Crítica, Opinião, Artes e Cultura. Um blog por João M. Pereirinha

A brutalidade não é normal, nem no Dragon Ball

Dragon Ball Z, Goku, Genki Dama

O último estudo da União de Mulheres Alternativa e Resposta (UMAR), que contou com uma amostra de cerca de 5500 jovens, revelou, entre outras coisas, que: 24% dos jovens consideram normal partilhar fotos íntimas ou insultar através das redes sociais e 14% consideram legitima a violência psicológica, sendo que 19% já foi vítima deste tipo de violência, 15% de perseguição, 11% de violência via redes sociais, 10% de controlo e 6% de violência sexual. Is não é normal nem aqui, nem na Rússia.

 

É óbvio que muita desta violência é transmitida entre gerações, da mesma forma que muita é adquirida, desde a infância até à idade adulta, através do meio envolvente e pelos media. Quando andava na escola primária, a nossa professora chegou a proibir veementemente que qualquer aluno visse a série do Dragon Ball que estava a ser transmitida na televisão. Lembro-me perfeitamente, eu estava na primeira carteira – não por opção – quando ela nos deu aquele sermão na aula. Que era de uma violência brutal, que só nos ensinava a andar à briga, que uma das personagens tinha o nome do diabo, na verdade eram duas e ambas faziam parte dos bons da fita. Ainda assim, eu achava a forma como o “gordo” da quarta classe nos roubava e partia os berlindes, mais violenta.

 

Não deu resultado, daí a poucas semanas, o Gohan, filho de Son Goku, a personagem principal, iria derrotar Cell, numa emissão especial de duas horas no sábado à tarde, já depois do pai se ter sacrificado para salvar a Terra. Se aquilo era violento? Era de fazer vir as lágrimas à cara, desde aquele episódio em que o Goku se transforma em Super-Guerreiro pela primeira vez, no planeta Namek, após ver o seu melhor amigo morrer às mãos de Freezer. Mas não era nem gratuito, nem normal. Aliás, era contra a brutalidade que todas as personagens se uniam frequentemente. Era para lutar contra isso que todos os seres do universo se uniam frequentemente para ajudar o Goku a formar a Genki Dama. Era por isso que os arqui-inimigos de Goku se tornavam os seus melhores amigos. De Tenshinhan a Vegeta, acabando em Bubu. Da mesma forma que não é por acaso que Goku morre ou perde constantemente as batalhas, precisando sempre da ajuda e colaboração de todos.

 

Por isso, lamento que tenham estragado completamente a série animada (anime) de origem japonesa. Até então, as várias sagas feitas até inícios dos anos 90 e que atravessaram a minha infância, baseavam-se na amizade, na ingenuidade, na curiosidade, na abnegação e no altruísmo de um conjunto de pessoas dispostas a sacrificar a sua própria vida para salvar a Humanidade. Independentemente de esta viver no planeta Terra ou no planeta distante de Namek, de ser composta de humanos ou extraterrestres, lobos, porcos, coelhos e todo o tipo de animais conscientes e falantes. Era uma série sobre um rapaz enviado para conquistar a Terra, que ao ser adotado e criado por um humano abraça os princípios mais nobres da Humanidade, disposto a defendê-la contra a colonização imperialista da sua própria espécie. Agora, a nova série, de “Super” só tem os grunhidos.

 

Se queriam mesmo atualizar e continuar os desenhos, em vez de transformar o Son Goku num Deus, deviam ter transformado a Kika (mulher de Goku) e a Bulma (mulher de Vegeta) em Super-Guerreiras e ter mantido o Uub (reencarnação de Bubu), que era a única personagem negra (e pobre) da história, a quem o Goku deixou ganhar um torneio, para ajudar a salvar a sua aldeia. Mesmo para quem não gostava muito da última saga GT (apesar de ter a melhor introdução de sempre, em todas as línguas) há que admitir que atualmente os torneios e a pancadaria, deixaram de ser um mero recurso para a superação e aperfeiçoamento pessoais, como na saga “Puro Cristal”, ou para evitar a aniquilação de toda a humanidade, como na saga Cell, para passarem a ser o objetivo único e final de cada episódio.

 

Contudo, mesmo sendo os guerreiros mais fortes do universo, podendo aniquilar paletas inteiros, lutando contra todo o tipo de ameaças e procurando constantemente melhorar as suas capacidades através do treino constante, nem Goku nem Vegeta ousam levantar a voz, brigar ou maltratar as suas esposas. Pelo contrário, a minha professora primária estava enganada, a brutalidade nunca é normal, nem no Dragon Ball.

 

Mas já que no nosso mundo não temos Bolas de Cristal para pedir 3 desejos, convinha que nos empenhássemos mais para transmitir aos mais novos valores como a amizade, a lealdade e o respeito mútuo, independentemente do género, da cor, da religião e da nacionalidade, não só em contexto de aula, mas também no dia-a-dia. Para isso, precisamos de aprender a ver com os olhos das crianças e de não as obrigar a ver com os nossos olhos. Desinfestar o ódio que existe no espaço público e reforçar a cordialidade e consideração nas relações entre os adultos, a que as crianças e os jovens estão expostos diariamente, pode ser um caminho.