«A nação portuguesa é pequena e, além disso, pobre»
Há três semanas que não publico nada. Entre a entrada no novo semestre, a mudança de casa, instalações de internet, trabalhos da faculdade e alguns problemas de saúde não arranjei, não sei concretamente porquê, tempo devido para me expressar publicamente. Andava aqui a preparar vários temas que se compreendem em reflexões acerca da cultura portuguesa, o estado da democracia, a vida estudantil, o estigmatismo politico, os estereótipos de utilidade e até sobre cinema. Mas ontem foi dia de greve geral e hoje, após uma breve revista de imprensa aos jornais e blogues que costumo visitar, estou imensamente triste. Os motivos são vários.
Só tenho ainda 21 anos e desde pequeno que tenho assistido a vários protestos, manifestações, greves gerais, pontuais, etc. E no fim de contas o balanço que faço de todas elas é imensamente negativo, pois nenhuma, que me lembre, conseguiu travar ou resolver qualquer problema ou proteger qualquer um dos direitos reivindicados, à exceção do da greve. E é isso que, na minha ótica, tem contribuído para um constante deterioramento do seu significado e peso na sociedade civil – se é que existe uma “sociedade civil” neste país como Hegel idealizou no século XIX para se referir à livre associação entre indivíduos.
E pior que isto é perceber que as linhas da frente das mais importantes representações sindicais estão embrulhadas numa certa ingenuidade e desespero que os faz esquecer do que realmente deve representar a sua luta e qual o poder das armas que têm à disposição. O vocabulário é, e deve ser a partir de agora, cada vez mais bélico. Na sua génese, a Greve entende uma certa forma de chantagem por parte de quem se vê privado de um direito que considere fundamental, por imposição superior, privando assim o agressor de um ou de todos os serviços que lhe são prestados. Mas, nenhuma chantagem resulta se for feita de forma isolada e inconsequente. Só resulta se for persistente e afirmativa de uma intenção clara: a de não ceder ao vexame, ao achincalhamento, à opressão, à hostilidade. Isto é totalmente o contrário do que se vê, ou eu já vi, por estes lados. Aliás, a única vez que me lembro, corrijam-me, de haver alguma persistência do ato nem foi numa greve propriamente dita, foi na paralisação das empresas transportadoras em 2008.
De resto, o que se pode observar são movimentos, manifestações e greves intermitentes, de curta duração e que nunca fazem valer os seus objetivos. Mais, devido à sua fraca afirmação, muitas vezes, o seu efeito é precisamente o contrário do pretendido. Ontem acho que descemos a limiar do liame. Ou lá perto.
Primeiro porque houve, de facto, muito menos adesão que em outras situações e prova disso é o facto de que nem terem sido divulgados números oficiais – ao menos poupam-nos às lutas de contradições numéricas entre estado e sindicatos. Além de que, inédito, consegui sempre autocarros para me deslocar. Depois porque há já um sector que, garantidamente, já está tão enfraquecido, sem polos, e em parte colado à ideologia governativa – os outros já caíram ou foram obrigados a retirar-se, enviados para casa – que já nem sabe ou tem noção de que a greve é também um direito que lhe assiste e um poder que devem fazer exercer: os estudantes. Principalmente os universitários, que conseguem questionar tanta coisa, menos o rumo das coisas, e se esquecem de que já são parte da sociedade civil, e que a emancipação constrói-se por muito mais do que a passagem dos anos ou a garantia do poder de voto.
Em terceiro lugar, a sua falta de eficiência e o seu fraco debate social, baseado em análises feitas por pseudo-analistas de ideias pré-concebidas que participam em debates de conclusões antecipadas, tem contribuído apenas para a ideia parida do Salazarismo-Marcelismo de que não vale a pena perder calorias, de que “o país é mesmo assim”, aumentando a sensação de fraca representação nos círculos políticos sentida pela maioria da população. E assim perde-se a esperança de poder mudar a situação, o país, a nação, a partir das ferramentas que estão montadas, o dito “Sistema”. A população anda a caminhar sob uma cratera em que assentam um pé do lado do stato quo e outro no dos canhões carregados.
Por fim, e isto é o mais grave de tudo, noto que há aqui uma tentativa de maquinação da opinião geral acerca de tudo isto. E agora, os que quiserem perdoar que o façam, os que não que não o façam, mas a comparação é inevitável. Uma das armas utilizadas pelo partido Nazi para chegar ao poder foi o pânico, por ele mesmo gerado, da população, desde as batalhas de rua ao incêndio no edifício do Reichstag (parlamento alemão), oferecendo-se como a solução estável, o policiar necessário. De resto foi assim em toda a Europa, sendo que a missão foi facilitada para Salazar e Mussolini, pois o pânico já estava instaurado (consultar Hobsbawm, Eric, Era dos Extremos: o Breve Século XX: 1914 – 1991, capítulo: A queda do Liberalismo).
E é sob esta bandeira, e tendo como panfleto os acontecimentos de Agosto em Londres e a situação grega, que o governo português tem levado todas as suas intenções avante e legitimado o poder e abuso policiais que constantemente têm vindo a ser praticados nas sucessivas manifestações populares e greves gerais. É em nome do medo, do “bem nacional”, da “ordem”, da “união de esforços”, que tudo é permitido. Até bater indiscriminadamente em que cumpre um direito constitucional, e por isso perde um dia de trabalho, em nome da reivindicação de direitos que possam vir a melhorar inclusive a vida de quem segura na baioneta, bastão, cassetete… ou até mesmo em quem filma, denuncia e está simplesmente a trabalhar. Isto depois das tentativas, através de comunicados da PSP, de condicionamento prévio da atuação dos jornalistas, dando indicações de como e onde estes deveriam de estar durante as manifestações.
Se o sociólogo Léon Poinsard, cem anos depois, voltasse a Portugal, além dos adjetivos “pequena” e “pobre” tenho a certeza que utilizaria o “triste”, e não pelos bons CD’s de fado que ouvisse.