A miopia (grave) dos Dirigentes
Alícia Rius, the house of heads and eyes
Para voltar a revitalizar este velhinho blog que tem estado parado há ano e meio nada melhor do que um pouco da velha indignação que pautou a linha de muitas crónicas dos tempos de liceu aqui republicadas depois do Jornal Escolar O Cábula.
Aqui fica então um texto que já tem mais de um mês. Que já esteve para sair em diversas ocasiões. Que já enviei para alguns sítios, mas que não podia deixar de publicar definitivamente em algum sítio e de, sobretudo, partilhar. Porquê? Porque se torna cada vez mais grave, deprimente e, sobretudo, perigosa a miopia com que os atuais dirigentes olham para o país, para a sociedade e a governam, sem experiência de vida, sensibilidade e respeito pela liberdade de escolha de vida de cada cidadão, isso sim, um interesse nacional ainda por concretizar desde 25 de Abril de 1974.
Carta aberta ao Ministro da Educação
Hoje, 14 de Dezembro de 2011, vi uma entrevista do Sr. Ministro da Educação Nuno Crato, na SIC Notícias, onde ele explicava os planos de reestruturação da educação, em especial do Ensino Superior, para 2012.
“Não podemos ser todos doutores, sociólogos ou letrados…”
Foi neste momento, ou instantes depois, que mudei de canal. Bem sei que não é de hoje que os estudantes e estudiosos das áreas das Ciências Sociais, artes e letras, são olhados com preconceito, como “chulos”, parolos inúteis e fanfarrões que passam a vida a ler livros. Uma visão partilhada um pouco por toda a sociedade em geral e, sobretudo, por uma parte considerável do meio das Ciências “Exactas” – um termo discutível que fica para outra ocasião – que consideram que só os “burros” é que vão para letras. Foi isso que eu sempre ouvi, incluindo na entrada para ensino secundário, e que me inclinou (ou me obrigou) a escolher o curso de Ciências e Tecnologias, numa escola em que, à data, não existe uma única turma de artes (mas está entre as piores 200 do ranking). Isto numa terra que nem um único emprego tem conseguido gerar nas áreas das engenharias em geral ou tem sequer possibilidades para o fazer, e onde noventa e nove percento das figuras de relevo dessa zona, vivas ou falecidas, estão ligadas às artes e humanidades. Sendo aí, precisamente, a área onde se encontra o maior potencial logístico, humano, capital e patrimonial de toda a região – Vila Viçosa. Mas a miopia é muita.
Pois bem, o senhor Nuno Crato é matemático. E, olho por olho, dente por dente, será que podemos responder com uma demagogia? Ou será que o senhor ainda não conseguiu ver que a média de matemática é das mais baixas do país, na razia da negativa todos os anos? Serão os burros que foram por engano para Ciências e Tecnologias? Acho que seria um fenómeno interessante de estudar…
Como também seria o fenómeno de culpa e inutilidade com que as Letras são constantemente olhadas, como que dizendo que a maioria dos desempregados licenciados deste país actualmente são dessa área. Mas, é mentira.
1º) Se analisarem os dados actuais do desemprego constatarão que é precisamente em áreas como a engenharia que se encontram maiores níveis de desemprego.
2º) Em todas as Universidades do país, as faculdades de Letras são, não só, as que menos peso orçamental têm, bem como as que têm menos vagas e alunos, sendo que daí resultarão menos alunos licenciados no final, comparativamente às outras áreas. Aqui em Coimbra a proporcionalidade é capaz de ser de 1 aluno da FLUC para cada cinquenta das outras faculdades juntas. O que faz também com que o “ratio” de desempregados dentro da área corresponda a menos pessoas efectivamente. Isto é… matemática de 9º ano! As pessoas não são estatísticas, são Pessoas.
3º) Talvez sejam precisos mais estudos sociais, ou mais estudo social, por parte dos senhores ministros, para ver se percebem estes fenómenos. Para ver se percebem de uma vez por todas que, se há áreas em que se olha para os problemas dos países e para os caminhos e soluções, em que se pensa de facto na sociedade, essas áreas são as que se sentam nas “cadeiras mal-amanhadas” das faculdades de letras deste país. Onde, aí sim, se encontra uma grande percentagem da dita massa crítica. E não acrítica, como os senhores desejam formar, diplomar e empregar. Se há local onde se pensa criticamente em relação ao papel da política e das ideologias, esse lugar é a cadeira de um futuro letrado que tem, ainda assim, como perspectiva de futuro enfrentar pessoas que lhe oferecem emprego dizendo-lhe para esquecer as “parvoíces” que ouviu e andou a ler na universidade. Mas que nem por isso se resigna, e procura novos caminhos, perspectivas e inovam, inventam os seus empregos e o seu lugar na sociedade.
Mas, nem 8 nem oitenta. Haverá certamente, e sei que há, muitas mentes inovadoras, criadoras e revolucionárias na forma de pensar nas ciências. E por isso o mundo avança, porque as pessoas não são rebanhos nem devem ou podem ser contadas por cabeças. E mesmo que o fossem é sabido que, em todos os rebanhos, há sempre uma ovelha negra. Só que para ver isso é necessário que o senhor ministro coloque os óculos e leia por entre os asteriscos da estatística. Como também que coloque os óculos para ver que: nem o seu mandato nem as suas reformas são imutáveis ou eternos. Dá-se numa disciplina qualquer… ah, já sei, História.
Foi por causa de pensamentos assim que tivemos a Idade Média, porque os eruditos católicos não queriam partilhar o conhecimento, e por isso é que nos últimos 10 anos avançamos mais que em vinte séculos: pois hoje mais que nunca o conhecimento é partilhado e interdisciplinar. Deixem as pessoas escolher!
Quando se pergunta porque é que as empresas portuguesas não triunfam; os espectáculos estão vazios; a música não vende; os estádios estão às moscas; as conferências não atraem pessoas; a resposta é simples: Cultura, falta de Cultura. Uma população inculta, onde quarenta por cento nunca utilizaram a internet; que nunca leu Kafka, Tolstói, Walter Benjamin, Hemingway, Tony Judt, Fitzgeral, Tchékhov, Brecht, Marinetti, etc. etc.
Quem sabe não funcionasse tudo melhor, não votássemos em certas pessoas, não nos deixássemos enrolar tão facilmente se fossemos mais cultos. Quem sabe.
João Pereirinha