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Vetores da Inutilidade

Poesia, Atualidade, Crítica, Opinião, Artes e Cultura. Um blog por João M. Pereirinha

Vetores da Inutilidade

Poesia, Atualidade, Crítica, Opinião, Artes e Cultura. Um blog por João M. Pereirinha

A vida é feita de conflitos  

d.r.

Só um parasita pode esperar entrar e sair deste mundo sem inimigos, procurando sempre evitar a confrontação seja com quem for, a prepósito do que seja. Não quer dizer que a única forma de estar passe por uma procura de um embate frontal com o próximo, mas as delimitações de todos os direitos surgem daí mesmo, do choque e da sobreposição de fronteiras. O direito, e a nossa noção de direitos e deveres é também uma organização geográfica do nosso pensamento e dos nossos interesses.

 

Num contexto ocidentalizado, dominados pelo controlo da moda difundida nos canais em massa, num absurdo domínio da superficialidade alimentada em dozes maciças de vulgarização, simplificação, evasão ao pensamento lógico e longe de valores, como o pluralismo ou a imparcialidade no tratamento e difusão de informação, é lógico e compreensível que a maioria das pessoas não saiba o que é a Liberdade de Expressão; que se debata em questões absurdas sobre os seus limites (e os limites do humor); e que o discurso mais simples, e menos lógico, seja o mais permeável. Numa sociedade em que a autocensura costuma servir de pano de subsistência e sobrevivência, é normal que ninguém perceba o que significa realmente ser livre.

 

No seu prefácio ao livro “A revolução dos bichos”, no texto “A Liberdade de Imprensa” , George Orwell, fala precisamente da autocensura, ou a falta de liberdade de expressão no contexto inglês do pós-guerra, onde não era possível tocar, ou abordar determinados temas tabu, como fossem a igreja católica, ou o regime Soviético. Aí, conclui que “se a Liberdade significa alguma coisa, significa o direito de dizer às pessoas o que eles não querem ouvir”.

 

Ora, o que podemos constatar é que, embora todos assinem por baixo desta abstração, quando passamos para um exemplo concreto, há uma tendência à dispersão das intenções.

 

Quem é que hoje diz verdadeiramente o que pensa no trabalho? Numa associação, que seja? Sobre as gestões dos municípios, por exemplo? A Liberdade de Expressão está cacicada, e quem fura os quintais de interesses alforriados por esse país, europa e mundo fora, pode não levar com uma rajada de tiros, mas arrisca-se a perder o emprego; a que algum familiar perca o emprego; a que venha a perder futuros empregos; etc.

 

O que acho incompreensível é que haja uma disseminação da hipocrisia nas camadas mais jovens! Onde, creio, devia existir um pouco mais de atrevimento e franqueza. Afinal de contas, o que há a perder? Porquê?

 

Porque somos educados numa cultura de realaty show, ensinados a dissimular para conquistar, a banalizar para vencer, e a cair em graça para singrar. Então vamos sendo, semana a semana, aquilo que nos pareça mais socialmente vantajoso para nós mesmos, numa escalada de cinismo alimentada pelas redes sociais (digitais e físicas), sem que às ideias acreditemos que esteja vinculado qualquer tipo de valor, ou mudança de comportamento.

 

É desta forma que há uns meses eramos todos “macacos” e na semana passada “Charlie”, e hoje vamos caladinhos para o emprego, mudamos de carruagem por causa do “preto” ou "marroquino", e lambemos as botas ao tipo que manda lá na empresa, para que não nos despeça. Pois desde novos que nos habituámo a votar nas listas dos tipos que dão mais emprego, são menos chatos, e querem mudar menos coisas. E ainda dizemos que “os tipos meteram-se a jeito”. Pede-se aos outros “para parar de escrever aquelas coisas” porque alguém “não gosta”. E chamamos a isso Democracia, Ocidental, Civilizada. Mesmo que não tenha nada, ou pouco, disso.