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Vetores da Inutilidade

Poesia, Atualidade, Crítica, Opinião, Artes e Cultura. Um blog por João M. Pereirinha

Vetores da Inutilidade

Poesia, Atualidade, Crítica, Opinião, Artes e Cultura. Um blog por João M. Pereirinha

Ofensa: crime e castigo, vigiar e punir

Vila Viçosa © João M. Pereirinha

Mesmo que patrocinada e acompanhada pelas chefias partidárias, a política local tem um cunho pessoal. Por isso as suas ações, reações e eventos, tendem a ser mormente passionais.

 

Num cenário populacional e geograficamente minúsculo onde as pessoas se conhecem se escrutinam frequentemente, a tendência é o voto ser feito com enfase direta no indivíduo e não no partido, nas ideias, ou na política. Talvez seja por isso que, tanto eleitores, mas sobretudo eleitos, confundam tão facilmente «Cargo» com «Identidade», «Poder» com «Autoridade» e «Oposição» ou «Opinião» com «Ofensa».

 

Tornar a Política numa questão de ofensa, ou numa sumula de casos, é matar a política em si. A Política deve ocupar-se do bem-estar comum, de medidas de desenvolvimento coletivo, e cuidar da rés-pública de forma ponderada, aberta, transparente e discutida.

 

No entanto, em Vila Viçosa a política está imersa em questões judiciais e não da polis. Em comunicado, pelo menos três vezes neste mandato, a Câmara Municipal fez saber que um membro ou mais do executivo se sentiram ofendidos por declarações públicas. Ao existirem, alegadas ofensas, e a serem denunciadas, relatadas e investigadas pelo Ministério Público, proferidas por civis contra civis – independentemente do cargo que ocupem – não é compreensível o porquê de a denúncia surgir em nome institucional.

 

Assim como não é justificável que se considerem todos os agentes políticos, e todos os detentores de cargos como corruptos, colaboracionistas e ‘boys’. Também não é justificável que numa assembleia municipal, um político retrate todos os jovens como «bêbados» e «drogados». Com a ressalva de que a embriaguez ou o entorpecimento dos sentidos são um estado temporário, e despenalizado por lei. Ao passo que a corrupção, o colaboracionismo ou as falhas de carácter são uma constante dos indivíduos mal formados. O corpo é uma ferramenta dos vícios da alma. Inclusive Churchill, não dispensaria o seu brandy e um charuto.

 

O mesmo Churchill teria tido muitos motivos para se sentir ofendidíssimo quando troçavam dos seus discursos na Câmara dos Comuns, sobre o armamento Alemão, antes da 2ª Guerra Mundial. Quando Churchill falava da ameaça Nazi crescente, e todos riam, cochilavam e faziam piadas suas. Quando o tratavam como palhaço nos jornais, lunático na cafeteira, e pateta no partido. No entanto, nunca se prendeu, ou perdeu tempo com as questões pessoais. Ao invés disso, fez Política. Assumiu as suas responsabilidades enquanto político, liderou um país durante a mais devastadora das guerras que a civilização tem memória. Não deixando, ainda assim, de investir na Cultura, quando aconselhado a tal, pois “se fizermos isso, então estamos em guerra para defender o quê”?

 

Ora, na mesma localidade de onde sou natural, e de onde tive exemplos culturais que me precederam em vida, como o caso da poetisa Florbela Espanca, a última coisa que deveria preocupar o executivo seria as ofensas ou não da população. Tanto aí como em qualquer outra localidade! O que de facto deveria discutir-se é a migração dos jovens. As carências de oferta formativa, cultural e de apoio social. As condições de vida necessárias a proporcionar à população para combater o êxodo. Porque estar num cargo político e melindrar-se com hipotéticas ofensas, é como ir a uma praia e não gostar de areia. Apesar de incomodar, é praticamente indissociável da função e do cargo. Assim é, natural nas pessoas que se prestam e se candidatam a exercer uma função de responsabilidade, visibilidade e escrutínio público.

 

Caso contrário, a sucessiva abordagem da discussão pública do pondo de vista judicial, dando enfâse aos argumentos medíocres e injustificados, mais não faz que desvirtuar a discussão e interesses públicos. Além de funcionar como repelente que afasta qualquer munícipe de se manifestar e expor, bem ou mal, por medo de represália.

 

Pois o sentimento gerado, mesmo que sem desenvolvimentos judiciais, é que a Justiça e o poder Político não estão separados e desvinculados, como diz o 2º artigo da Constituição da República Portuguesa. Pelo contrário. A população, próxima dos indivíduos e distante das instituições, sente a intimidação, o medo e a suspeita juntamente com a incerteza de se poder expressar.

 

Não deveria ser esse o foco de qualquer político. Independentemente da sua ideologia ou cartela. Mas sobretudo, vindo de um partido (ou coligação) que a nível nacional desempenha uma fortíssima função de protesto contra o executivo; que lutou pela liberdade de expressão durante uma ditadura de mais de quarenta anos; um partido de esquerda que partilha os ideais da liberdade e da igualdade; um partido cujas origens remontam à fraternidade da revolução francesa; um partido cujos fundadores se inspiraram em Esparta.

 

Pois, finda a era Medieval, libertos da ditadura, e numa comunidade de Direito, não cabe aos poderes políticos a tarefa de discutir crimes e castigos, e menos a preocupação de vigiar e punir.