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Vetores da Inutilidade

Poesia, Atualidade, Crítica, Opinião, Artes e Cultura. Um blog por João M. Pereirinha

Vetores da Inutilidade

Poesia, Atualidade, Crítica, Opinião, Artes e Cultura. Um blog por João M. Pereirinha

Uma Carta à Revolução

 

Duvido da forma como lembraremos estes tempos. Duvido de que nos lembremos. Duvido do futuro em que possamos ou não escolher lembrar alguma coisa destes tempos. Duvido que mesmo podendo, nos queiramos lembrar destes tempos. Digo estes porque são pelo menos três tempos. Os tempos antes do dia 25 de Abril de 1974, os tempos da chegada ao poder e instituição das regras económicas, liberais, e eleitorais, pela primeira onda Cavaquista, e por fim, os tempos actuais em que chegou o resquício do moderno liberalismo económico, social e executivo. Este tempo em que, os poderes do Estado são, propositadamente, confundidos com as liberdades executivas, e posteriormente imputados à população. Estes tempos em que a memória é aplacada, com o poder autoritário do terceiro regime implementado – o “Euro-liberalismo”.


Serão as minhas dúvidas legítimas? Depende. Do ponto de vista da Constituição, apesar de tão esculhambada que já foi, e ignorada como é, toda a dúvida é legítima, o cidadão pode enfim duvidar, e pronunciar-se politicamente. Do ponto de vista do poder instituído, não. São até impensáveis, e muito menos ainda pronunciáveis... Nenhuma autoridade preza pelo gozo em ser contestada.

No entanto os momentos em que vivemos são de uma total desertificação dos propósitos revolucionários que se viveram em 1974. Tudo o que foi sendo construído e que culminou na Revolução, foi então amassado, escondido, esquecido e relegado para mera figuração simbólica e póstuma, em prol da subsistência do mal banalizado. Temos que definir estas políticas de uma espécie de europeização e americanização forçada, através do decréscimo da moralidade, da ética, das condições sociais e das perspectivas de futuro, como um Mal. Embora banalizado, pela aceitação normativa e abstrata de relatórios, normas, legislações e processos administrativos. Só pode ser considerado como Mal, um poder político que renega para a miséria, a emigração, o adiamento da constituição de família, a pressão económica, e a persecução do erro do outro, além da obediência e aceitação do contexto, toda uma mancha contemporânea de várias gerações e países, sobretudo pela mão daqueles, como o nosso caso, o conduzem nacionalmente. Um conjunto de pensadores de revista; facilitadores de corredor; gananciosos de poder; fanáticos capitalistas; aristocratas com aversão ao povo; populistas demagogos.

Toda a população se deveria unir contra esta filosofia da passividade. Toda a população deveria exigir a sua participação, direta ou indireta, no poder de decisão do seu futuro. Todos tempos o dever de alertar toda a população para que reivindique a negação desse Mal e exalte o politicamente incorreto, uma revolução dos sentidos democráticos, e uma ressurreição das liberdades individuais, sociais e comunitárias. Devemos exigir um direito à Identidade deste país resgatado na mão de uns tantos barões, que têm o seu usufruto restrito, e abominam a voz do povo tanto quanto a liberdade particular da nação, e daqueles que a desamarraram de cinquenta anos de pura estagnação e opressão mental.

Esta classe política é indigna do país que ousa representar e do qual se serva. E nós, enquanto população, somos merecedores de um país com um ordenado mínimo superior ao da inflação desde 1975 e não um de 115€ abaixo do mesmo; somos merecedores de um ministério da Cultura, que reivindique e revitalize os sectores criativos e artísticos que constituem a essência da nossa identidade, e não de um secretariado, cujo representante confunde poder com autoridade, liberdade com gratidão, e Estado com Governo; merecemos poder ouvir as palavras daqueles que, ainda vivos, viveram, conheceram em idade adulta, e participaram do processo revolucionário, do nascimento de uma nação livre, da constituição de uma mentalidade ampla e socialmente prestável perante o grosso da população; merecemos poder lutar, de dentro para dentro ou de fora para dentro, por um país mais desenvolvido, livre, social, comunitário, formado e educado, e sem pretensões de autoridade ou superioridade; merecemos um Presidente que utilize um cravo na lapela, não tenha medo de utilizar um punho cerrado e de representar o povo independentemente da sua classe, etnia, proveniência, cor, status ou religião. Pois todos desejamos ter uma visão de presente, e a liberdade de ter uma moral individual, e não imposta coletivamente, e uma mentalidade de prosperidade e não de restrição.

No fundo, só queremos poder falar de um país que transmita um orgulho saudável, sem hipocrisias, apesar dos seus defeitos ou qualidades, aberto e acolhedor à participação de cada um, e cujos os representantes tenham a lealdade suficiente de ter vergonha na cara, e ética profissional suficientes de ouvir, servir, e se confundir com a voz do Povo, cuja essência é o coração e a vontade de cada país, território e cultura!


Como isso não acontece ainda, e está no polo oposto das vontades, precisamos de uma nova Revolução, de uma Revolução Extraordinária contra a Banalidade do Mal neo-liberal.

João M. Pereirinha
Porto Alegre, Brasil, 25 de abril de 2014

Resta-nos o riso.

 

Resta-nos o riso. O sorriso é em si uma perversão ofensiva do rigor que nos querem impingir. Resta-nos o escape. Resta-nos aquilo que ainda não podem aprisionar, indeterminadamente, e na totalidade. A liberdade de esgalhar um sorriso de par em par perante qual for que seja a adversidade. Até perante a morte. Sobretudo perante a morte. Sorrir é vencer qualquer batalha perante a autoridade. Qualquer autoridade. Mesmo que nela esteja implícito um choro dilacerante. Podemos sempre cobrir o ardor das feridas com um sorriso aberto, genuíno e convicto de que, nós, mesmo perante amputação da vida, sabemos e temos consciência de algo superior e mais vasto que o momentâneo tiranismo social a que nos subjugam. Sorrir é uma provocação. Por isso somos as únicas criaturas que abraçamos essa possibilidade, de brindar o nosso inimigo com algo que nunca nos poderá tirar, para si mesmo, o sorriso.

 

Por isso é que ninguém gosta verdadeiramente do sorriso. O sorriso ridiculariza qualquer ação. Deveríamos sorrir. Perante tudo isto, deveríamos matar os dias de riso, e destituir os governos, os bancos, à gargalhada. Aos magotes de boa disposição. Com a boa malandragem de um sorriso bon vivant. Devolver a farsa com ironia estampada nos rostos. Morder a inevitabilidade com a insipiência que um sorriso esconde de quem não o partilha. Não nos vamos rir deles, vamo-nos rir para eles. Não vamos sorrir porque “a vida é bela”, mas porque a vida é mais do que isto. Vamos sorrir porque podemos sorrir, e porque não há termos para o sorriso. Mas também porque o sorriso incomoda. É um atestado de palermice mútuo da situação, e ao mesmo tempo destrutivo de qualquer possibilidade de catequização. O sorriso não é um antídoto à miséria, nem um antónimo da seriedade, é antes um exercício de consciência perante o vasto, no entanto vão, casual e efémero. Tudo passa pelo crivo da existência etérea, fluída.  

 

Rir é em si a contradição de que rir não é bom. Rir é um escapismo à revelia de Deus. Que a todos criou com a impossibilidade de resistir ao tempo, ou sequer suprir a morte. Rir é atirar pedras aos agelastas que nos privam da presença dos nossos filhos, como Hades fez com Deméter ao raptar Perséfone. Rir agora é superar qualquer finitude nas ações daqueles que nos querem imbuir de choro. Sorrir é tornar presente a fuga do quotidiano.