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Vetores da Inutilidade

Poesia, Atualidade, Crítica, Opinião, Artes e Cultura. Um blog por João M. Pereirinha

Vetores da Inutilidade

Poesia, Atualidade, Crítica, Opinião, Artes e Cultura. Um blog por João M. Pereirinha

De pouco a coisa nenhuma - Investir na Cultura: Precisa-se!

 

 




O primeiro ano da atual Legislatura foi o ano em que os Teatros começaram a fechar, e os que se mantiveram as portas abertas, ao acolhimento e produção, focaram os seus investimentos nos monólogos (evidentemente menos dispendiosos) e também na periodicidade mais alargada. 


Nessa mesma altura foi quando os produtores de cinema, agudizada a crise na comunicação, se viraram para os apoios estaduais no estrangeiro. Pois apesar de premiados, visionados, e de uma indústria viva e dinâmica, só alguns dos filmes produzidos pelas principais emissoras televisivas, e com múltiplas exibições no ecrã pequeno, se conseguiram tornar rentáveis. Apesar disso, muitos são os que se tornaram um buraco financeiro, sobretudo devido a dois fatores: o atraso de pagamentos de direitos de distribuição de cópias; as altas taxas cobradas por sala e permanência nas principais distribuidoras (sendo que a mais pequena faliu, inclusive). Nada a respeito disto foi legislado, nem merece atenção.

 

Este ano, o segundo da Legislatura, tem sido o ano onde algumas produções de Teatro, (ainda as há?!) têm abandonado as salas convencionais – reduzindo ainda mais os custos (nenhuns por vezes) em cenografia e adereços – e as salas, de algumas, vejo hoje, têm sido preenchidas por cinema. E no meio desta tropelia pela sobrevivência, já tudo vai valendo, é as cópias que por lá houver… é o tema que lhe conseguirmos enxertar, é alternativo, claro, e faz por alimentar a boca a uns quantos. Mas, curiosamente, também foi o ano em que o apoio ao cinema, enquanto atividade cultural, logo, essencial, foi cortado – literalmente. O mesmo ano em que os atores, os cineastas e os técnicos (além dos guionistas, fotógrafos, maquilhadores, etc.), os poucos que ainda não morreram de fome, também foram enviados para o estrangeiro, e alguns nem sei o que é feito deles. Terão morrido à fome ou o quê?! Alguns foram buscar investimento ao exterior, e oportunidades, vê-se, e o exemplo máximo disso é o Jesus Cristo português.

 

O Estado não quer produzir Cultura. Parece-lhe rentável não o fazer e, de momento, não quer ter os “intelectuais inúteis” das artes à sua beira. Mas também não parece querer incentivar ao consumo, de coisa nenhuma, antes pelo contrário. Porque se assim não fosse, não se limitaria a sacudir a chuva do capote. Instigaria, pelo contrário, as empresas sediadas no país, e com perspetivas disso, a investir como produtoras, patrocinadoras, mecenas e filantropas, das áreas culturais e no mercado de valor potencial que aí está criado em Portugal. Se o caminho é o supra Capital, face aos interesses nacionais – e quanto isso está errado – ao menos que se perceba que a Cultura é uma área interessante e talvez a que reúne maior e melhor capital Humano de todas as outras a nível nacional, além de ser, sempre, a maior fonte de reconhecimento externo.


Não se percebe como há tão poucas empresas a investir nisso onde, como acontece nos Estados Unidos, promovendo-se uma boa estratégia de abordagem aos sectores, além de lucros diretos, todas, sempre, saem vencedoras em visibilidade, reconhecimento e fidelização dos seus públicos.

 

Contudo, produzir um filme é muito caro?! Sim, mas o Estado não quer fazer nada a respeito disso, e a alternativa a isso é não ter cinema ou teatro, e ter distribuidoras que moldam os gostos, imagética e hábitos de consumo ao estilo das marcas internacionais dominantes e/ou emergentes. Ou então, apelar como nunca, à imaginação, quando uma peça é feita se não às escuras, numa sala sem paredes.

Precisamos de mais marés, hoje e amanhã!

Maré do Amanhã, de Albino Baptista | © Fotografia: João M. Pereirinha

 



À primeira leitura que lhe dediquei, ao 32º livro de Albino Baptista ou "meneres sa/ raiva", «Maré do Amanhã» o meu pensamento imediato foi "tenho de partilhar este livro com o mundo"! Embora nem todo o mundo, sei-o bem, o mereça receber. Contudo, está delicioso. Evidentemente, esta maré, é mesmo abrupta, é do amanhã, porque é o que se segue, é aquilo com que somos atropelados, mas é mais de ontem, do início, do que do futuro. Do ontem, porque é das mudanças do amanhã, depois de ontem, que a cidade mãe (Coimbra), o início, a casa da partida, sofreu. Essa cidade, essa gente, essas mulheres, até a Antero de Quental, até e sobretudo as artes, parece já não existir, sumida, ecoada, rota, vazia... A raiva, vermelha, a fúria, borbulhante, são evidentes, compreensíveis, e imperativas!

Claro que, com melhor atenção e dedicação às pausas impostas, mas sobretudo necessárias, este magnífico, sensível e, acima de tudo, generoso escritor nos coloca diante consegue-se ler, ver, imaginar, sentir essa Coimbra, esse País, essa Universidade, que está (corrompida) comprometida, é ingrata, não olha o passado, e tal como Marx previa, cria somente seres alienados.

 

O mais "gostoso" (porque saboroso é um sentido parco aqui) em toda esta narrativa - que a poesia, mais que qualquer romance, e fotografia, também conta histórias - é que diz tudo sem necessidade de ser gráfica. E mais que fosse necessário, o livro, esse objeto que a revela, traz consigo um magnífico Epílogo, claro e sintomático, e a biografia, irónica e anti-hipocrisia, também dão fortes murros no estômago dos empoleirados nesta torre.

 

De resto, é simplesmente o livro que algum dia gostaria de escrever, do qual carrego o orgulho de pertencer a um amigo meu, e tão chegado, mas de que sinto também a tristeza, o pesar e a vergonha de que, cá, nisto, agora, hoje e amanhã, seja necessário.

Ficha Técnica:


Título: Maré do Amanhã

Autor: © albino baptista | meneres sa/ raiva

Foto do Autor: © Luís Baptista

Coord. da Edição: © Alfarroba 

Design: © Afarroba

Distribuição: Letras em Marcha telf. 217 577 540

Impressão e Acabamento: Artipol - www.artipol.net

ISBN: 978-989-8455-82-6

Depósito Legal: 365 489/13

Data da Edição: Outuvro de 2013